A indignação está amortecida e a revolta será sempre contida pela polícia. O show tem que continuar. O que resta ao indivíduo fazer numa sociedade cada vez aprisionada pelo controle do Estado e das corporações? Será que a vida se transformará positivamente para que maioria possa ficar satisfeita depois de apresentar suas demandas? Não há respostas. No fundo, ninguém está ou estará integralmente feliz; somos seres natural e moralmente incomodados com o stato quo.
Opinião
Sem reclamações, por favor
Divago. Meu assunto não é este. Estou na verdade intrigado com a rede de proteção intelectual que se fechou em torno de José Dirceu nestes dias de fim de Mensalão. Fico a me perguntar: qual a razão que estimula personagens como Marilena Chauí, Antonio Cândido, Luiz Carlos Barreto e tantos outros a querer publicar manifestos indignados pelo simples fato de que Dirceu segue finalmente na direção de uma penitenciária?
Aceito que sejamos solidários pela amizade. Ser amigo de alguém que enfrenta um processo na justiça e corre o risco de ir para a cadeia não é crime. Achar que esse amigo está sendo injustiçado, também não. Mas fazer juras de amor por Dirceu é esquisito.
Avancemos um pouco mais: se sou famoso, se minha palavra tem peso, se sou um cara respeitado em círculos sofisticados, se influo no debate público, nadamais lógico – caso seja amigo do homem –de comentar o assunto nos jornais de maneira, digamos, inusual. Agora, dizer que o STF cometerá o "assassinato político" de Dirceu visto que ele é "herói nacional" aí já é demais.
Esse não é meu caso, certamente. Vejo isso como quando visito um parque de diversões e me convidam para ir à tenda da mulher barbada, do anão que engole fogo e do homem elefante: fico morbidamente fascinado com toda e qualquer esquisitice.
Intelectuais e artistas tem o fino dom de compreender coisas que nós, homens comuns, não conseguimos. Geralmente são pessoas que pensam de maneira complexa e representam, digamos, o farol que ilumina a escuridão das consciências das massas. Por isso, fico intrigado: por que essa gente inteligente insiste em defender Dirceu quando a grande maioria da sociedade o condena por razões cristalinas? Qual a dor que deveras sentem para emprestá-la a um personagem que, na mais singela das avaliações humanas, tem um caráter duvidoso?
As entrevistas e os manifestos não esclarecem. Deveriam. Esse pessoal faria um bem imenso ao País em colocar tudo às claras, de maneira límpida, pois assim nos daria uma chance de compreender algo que, nós aqui de baixo, não conseguimos até o momento. Não se trata, logicamente, de apenas afinidades ideológicas, mesmo porque desconfio que a ideologia de Dirceu só se traduz nos conceitos do oportunismo mais rasteiro que vigora na nossa vida política.
Pelas declarações de Luiz Barreto e Fernando Morais o julgamento do Mensalão está promovendo o linchamento de um coitado. Tem-se a sensação de que o Supremo está promovendo um verdadeiro crime de lesa pátria.
Nesse momento é que me pergunto: esse sujeito não está sendo condenado pelo crime de corrupção (brilho nessa palavra) – com todas as modalidades jurídicas correlatas – que implicam numa pena que o encaminha à cela de prisão? Parece que a resposta é sim.
Se fosse eu o advogado do capeta argumentaria: o esquema movimentou milhões e milhões de recursos públicos, os quais, matematicamente divididos entre cada contribuinte, representariam alguns míseros centavos que nos foram apropriados naqueles anos loucos de compra de congressistas.
Ora, comparando com os recursos movimentados diariamente no Brasil, essa mixaria – caixa dois, transações bancárias fraudulentas etc, etc – significou um grão de poeira no deserto. E – se houve roubo – tudo foi feito com a melhor das intenções: garantir a governabilidade de um partido que sonhou por mais de 25 anos em só fazer o bem para a sociedade brasileira.
Esse é o fundo do argumento cínico dos amigos de Dirceu. Só que eles esqueceram de que nos últimos tempos alguns centavos a mais ou a menos tem o poder de provocar revoluções no Brasil. Eis a questão: esse pessoal está enxergando a coisa pelo lado errado. Por isso, divago como fiz no começo deste artigo: a indignação está amortecida e a revolta será sempre contida pela polícia. Não podemos reclamar vida enquanto a alma não for pequena (ironia, ironia, pois assunto merece…).