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Opinião

Silêncio democrático

Era uma vez um país abaixo do Equador. Estava em campanha eleitoral. Pelos jornais, pela TV, pelo rádio e em todo canto de cada cidade espalhavam-se promessas de bem viver, progresso, desenvolvimento, criação de empregos, saúde e bem-aventurança eterna para os eleitores. Nada mais seria igual depois das eleições.
Os eleitores já estavam acostumados à profusão de promessas e, embora fosse apenas pela TV, a felicidade não era algo estranho por ali. Mas naquele ano, as promessas estavam mais intensas. Afinal, naquela republiqueta os militares haviam dominado durante décadas e agora, pela primeira vez, havia outro partido dominante, que fizera o presidente da república, governos estaduais e grande parte das câmaras legislativas. Vivia-se, mais uma vez, a ditadura, que era para ser do proletariado, mas virou ditadura da nova burguesia, porque ninguém é de ferro.
Um certo dia o país ficou em silêncio. Nenhuma palavra, nenhuma propaganda no rádio ou na TV, nenhuma passeata! Os cartazes e as faixas foram arrancados, o Tribunal Eleitoral entrou em férias de repente. Silêncio absoluto! Algo de muito estranho ou muito grave acontecera. O processo eleitoral, evidentemente, não terminara, pois não havia qualquer comemoração nas ruas. Nenhum resultado divulgado, nenhuma notícia no jornal.
Como era um país tropical, dificilmente o motivo de tanto silêncio seria um tufão, um tornado, um ciclone ou coisa parecida. Terremotos eram coisa do outro lado do mundo. Mas, de fato, a campanha sumira das ruas e dos meios de comunicação. Nas ruas, os candidatos não cumprimentavam os eleitores, não davam abraços, sorrisos nem tapinhas nas costas. Estranhamente, nem se viam ca¬misetas, bonés e outros mimos eleitorais.
Algo de muito sério estava ocorrendo naquele país abaixo do Equador.
Sequer se podia recorrer à arma preferida daqueles tempos, uma certa comissão parlamentar de inquérito que, em tempos normais, costumava investigar, ficar sob os holofotes, produzir torneios verbais na mídia e terminar nas gavetas de sempre. Os políticos estavam circunspectos, reservados, digamos assim, na moita. Não queriam dar entrevistas, não abriam seus gabinetes, não faziam proselitismo, não davam o ar de sua graça ou, naquele caso, ao que tudo indicava, desgraça.
Os cartórios eleitorais ostentavam placas de "fechado para balanço" ou "fechado por motivo de mudança”. A Câmara Legislativa, onde alguns dias antes vereadores tinham aumentado o próprio salário e colocado o do Prefeito lá nas grimpas, colocara uma faixa de "aluga-se”, como se aquela atividade não mais existisse no próximo ano.
O governador, normalmente falante e bem disposto, deixara de distribuir afagos e brindes aos membros do parlamento, interrompendo a agenda de inaugurações que costumavam render grandes churrascos e farta distribuição de bebidas aos felizes comensais.
Era tudo muito estranho. Mas, repito, o que mais incomodava era aquele grande, abismal silêncio por toda a cidade. Onde estavam os barulhentos cabos eleitorais, movidos a coxinha de galinha e Tang, que na semana anterior infernizavam os cruzamentos da idade forrando-a de lixo, santinhos e adesivos de todas as cores?
Depois de uma semana de espanto, foi pesquisando no Diário Oficial que descobri a causa daquele silêncio, o sumiço de políticos e cabos eleitorais, o desestímulo das casas legislativas, a paralisação e o cancelamento de todas as campanhas radiofônicas e televisivas tão animadas. Fiquei boquiaberto e me dei conta de que aquele país de praia e futebol ainda tinha alguma esperança.
Não fora nenhuma decisão do Tribunal Eleitoral, contra campanha ilegal ou alguma fraude na elaboração de um vídeo ou de um cartaz. Não fora uma faixa ofensiva ao governo federal ou uma súbita greve dos meios de comunicação.
Ali, diante de meus olhos, estava a razão do súbito fim de uma barulhenta campanha, na forma de um curto projeto de lei, apresentado nem sei por quem, pois, àquela altura, o autor já teria sido assassinado. O projeto dizia:
"A partir do próximo mandato, os políticos de todos os níveis vão trabalhar pelo bem (PRO BONO) do País, do Estado e dos Municípios. Qualquer que seja o cargo, o político terá direito somente a salário mínimo, tíquete refeição e vale-transporte. Ao final do mandato, ganharão um título de Cidadão do Município ou do Estado onde com honra serviram ao seu povo. Como todos são iguais perante a lei, atingida a idade própria, terão a mesma aposentadoria que o trabalhador comum. Revogam-se as disposições em contrário”.
Ao chegar em casa, consultei meus velhos alfarrábios de História e pude entender o que significava pro bono. Na origem da democracia, tão exaltada nos dias de hoje, o serviço público não era remunerado. Com o tempo, porque não precisávamos dos generais para defender os muros da cidade, deixamos de remunerá-los e transferimos suas benesses aos políticos, criando uma casta de mordomos milionários, num país de miseráveis.
Artigo escrito em 2001, inserido no livro “Cidadão de Festim”

João Campos é advogado especialista em Direito do Consumidor