Alguém teve a feliz ideia de me mandar uma seleção de músicas populares brasileiras que, através dos tempos, exaltam a mulher. Nos anos 40, cantava-se que “a deusa da minha rua tem olhos onde a lua costuma se embriagar”. Nos anos 50, “o teu balançado é mais que um poema; é a coisa mais linda que já vi passar”. Nos anos 60, “nem mesmo o céu nem as estrelas, nem mesmo o mar e o infinito não é maior que meu amor, nem mais bonito”. Hoje, a coisa está assim: “Tchutchuca vem aqui com teu tigrão. Vou te jogar na cama e te dar muita pressão”. Ou, então: “Pocotó, pocotó, pocotó, minha eguinha pocotó”. Ou ainda: “Hoje é festa lá no meu apê. Pode aparecer, vai rolar bunda lelê”. E, para arrematar: “Eu sou o lobo mau, au au”. “E o que você vai fazer? Vou te comer, vou te comer, vou te comer”.
Sei que tem gente adorando. Sei que existem pedagogos deslumbrados com esses exercícios poéticos e libertários através dos quais se está realizando, com prodigalidade, o sonho de uma sociedade de cabeça fraca, destituída de juízo moral, bom gosto e senso crítico, pronta para ser levada pelo nariz para onde bem entenderem seus condutores. Não me perguntem como foi que nos tornamos assim. Minha resposta vai magoar muita gente porque isso não se instalou por geração espontânea. Isso foi espargido estrategicamente, por gente adulta, dedicada a destruir os valores de uma civilização, contando com a colaboração de pais omissos, professores instrumentalizados e religiosos mais interessados em ideologias do que na salvação das almas. O agente laranja que jogaram em cima da sociedade reduziu-a a galhos secos onde não se reconhecem os frutos da boa semente nem a existência de vida inteligente.
Que queiram fazer isso conosco é fácil entender. Os agentes do mal são astutos e insidiosos. Mas que nos deixemos levar para as profundezas da baixaria e do mau gosto, é incompreensível. Que os rapazes das danceterias se deliciem com as sugestões lascivas das letras e com a coisificação da mulher, reduzida à condição de instrumento de prazer, até se pode explicar, num contexto de libertinagem. Mas que as mulheres não se sintam ultrajadas e entrem na pista com prontidão e requebros de vaca para touro, isso fica alguns anos à frente da minha capacidade de compreensão.
“E daí?”, talvez esteja se perguntando o leitor. Daí, meu caro, que o mau gosto e o deboche arruínam a dignidade da pessoa humana, afetam seu juízo moral, reduzem o discernimento e a capacidade de compreender a realidade. A superficialidade passa a presidir as ações e as relações sociais e a mente torna-se um disco rígido que vai reduzindo sua capacidade à proporção da minguada utilização que lhe é dada. Eis por que todos correm atrás de um diploma, mas poucos se preocupam em fazer jus a ele através do estudo. Queiramos ou não, a cultura tem um papel determinante nos padrões da vida social e a dedicação ao estudo cumpre função importante no progresso individual e social. O que havia de melhor na nossa cultura e no nosso ensino foi morrendo de velhice e de tristeza. Ou não?
As Tchutchucas e as eguinhas pocotós agasalharão entre seus quadris as futuras gerações de brasileiros. E não é difícil prever o que vem por aí, não é mesmo, Tigrão?
Percival Puggina é arquiteto, empresário e escritor