Desde seu repentino surgimento em 1981 a infecção pelo HIV se propagou rapidamente por todo o planeta, o que resultou em mais de 60 milhões de infectados e mais de 25 milhões de mortes, existindo atualmente aproximadamente 30 milhões de infectados. Dados epidemiológicos mostram que o número de infecções e mortes continuam aumentando a cada ano, principalmente em países em desenvolvimento ou não desenvolvidos. Nesse contexto, o desenvolvimento de vacina efetiva contra a infecção, bem como para o controle da progressão da doença é de vital importância.
Os principais requisitos a serem cumpridos por uma vacina eficaz contra o vírus são: estimular uma efetiva resposta imune, tanto humoral (anticorpos) como celular (linfócitos citotóxico-assassinos); induzir uma resposta protetora duradoura, ou seja, que confira proteção por um período prolongado sem necessidade de vacinações sucessivas, e se possível “imunidade estéril”, isto é, evite a total replicação viral após o desafio; conferir proteção contra a maior parte de cepas virais circulantes e finalmente ser segura, não apresentar riscos quanto à indução de infecção ativa.
Apesar dos esforços realizados pela comunidade cientifica mundial ao longo dos últimos 25 anos para obter uma vacina que preencha esses requisitos ou parte deles, a maioria das tentativas realizadas foram infrutíferas ou obtiveram discretos índices de proteção e de curta duração. Isto se deve em grande parte à dificuldade de induzir os chamados anticorpos neutralizantes, aqueles com capacidade de neutralizar e desencadear processos que levam à destruição viral, o que, por sua vez, depende diretamente da montagem de uma eficiente resposta imune celular, os “linfócitos assassinos”. Para atingir estes objetivos diversos tipos de vetores foram utilizados para expressar os diferentes tipos de proteínas virais. Apesar de ter sido testado um notável número de vacinas, até o momento apenas quatro mostraram alguma eficácia em testes clínicos, utilizando todas elas vetores virais, do tipo adenovirus (Ad) e poxivirus (MVA), estes últimos utilizando o vírus vaccinia para expressar as principais proteínas virais Gag, Pol, Env e Nef.
No ultimo numero da revista Nature, foi noticiado um passo importante na luta contra a Aids. Pesquisadores da Universidade de Harvard, liderados pelo Dr. Barouch, obtiveram um índice de proteção de 80% em macacos vacinados com uma combinação de doses das vacinas baseadas nos vetores virias Ad26 e Ad35 e MVA (a primeira imunização com a vacina de adenovírus e um reforço com a vacina de poxvírus). É importante salientar que os três tipos de vacinas isoladamente não tinham conseguido um índice de eficácia suficiente para o uso massivo. Dessa forma 3/4 dos macacos não vacinados, após uma única exposição, se infectaram, enquanto que apenas 12% dos animais vacinados o fizeram. Entretanto, posteriores exposições semanais levaram à infecção da maioria dos animais imunizados. Dentre os avanços obtidos neste estudo podem ser citados: a indução de resistência frente a um desafio com uma cepa do vírus diferente da usada na imunização e para a qual esse tipo de primatas já tinha apresentado problemas em controlar a infecção; diminuição da quantidade de vírus circulante no sangue com a consequente diminuição da transmissão para animais saudáveis.
Com objetivo de identificar os principais mecanismos responsáveis pela proteção, os pesquisadores avaliaram dezenas de marcadores da resposta imune e surpreendentemente encontraram uma forte correlação entre os níveis de anticorpos contra a proteína Env (do envelope viral), anticorpos estes de difícil obtenção com outros protocolos de imunização, e a proteína Gag (do capsideo viral) e os níveis de resistência. É importante salientar que, até o momento, respostas imunes similares com 30% de proteção com altos níveis de produção de anticorpos anti-Env do HIV foram observadas apenas num estudo de vacinação contra o HIV, em 2009, com 16.400 voluntários na Tailândia. Em contraposição a estratégia tradicional de controlar a replicação viral após a infecção, utilizada pelo grupo do Dr. Baruch, tenta bloquear o estabelecimento da infecção.
Entretanto, estes resultados embora promissores devem ser tomados com cautela, considerando que, como de costume com o HIV, nem sempre os resultados obtidos com macacos desafiados pelo SIV se reproduzem em humanos desafiados pelo HIV. Dentre os principais itens a serem avaliados nos próximos testes da nova vacina em humanos estão a capacidade de conferir resistência contra outras cepas do vírus e a indução de eficazes e duradouros níveis de proteção. Certamente a resposta final a estas e outras interrogações poderão ser respondidas pela próxima rodada de testes clínicos com a nova vacina.
Enrique Roberto Argañaraz é professor do Departamento de Farmácia, da Universidade de Brasília, onde coordena grupo de pesquisa em Virologia Molecular relacionada ao estudo de mecanismos patogênicos envolvidos na gênese da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida e na identificação de novos alvos terapêuticos. É graduado em Bioquímica pela Universidad Nacional de Tucumán (Argentina), mestre e doutor em Imunologia e Genética Aplicadas pela UnB.