Refiro-me ao procurador Mauri Valentim Ricciotti, do Ministério Público de nosso Estado, ao assinar o persuasivo artigo intitulado “O jogo do poder”, publicado no último dia 9 em o Correio do Estado e no Midiamax. No artigo, sua excelência pôs a nu uma questão que tem suas origens em tempos bem remotos e que no Brasil surgiu com a primeira Constituição da República, a de 1891, que tem basicamente as marcas da inteligência de um mestre nas letras jurídicas, Rui Barbosa. Aliás, eram puras as intenções de Rui ao levar para aquele texto constitucional o ideário da Constituição americana de 1877, onde Jackson, Jefferson e Washington pontuaram a independência dos poderes, o espírito de Nação, tão bem salientados pelo ideólogo francês Alex de Tocqueville. Porém, como toda cópia não é perfeita, Rui olvidou a nossa condição sanguínea, nossa tradição pela submissão ao autoritarismo presidencial. E deu no que deu, tão sentido até os dias atuais.
Desde o Marechal Deodoro, nosso primeiro chefe do Executivo, até o atual Luiz Inácio, o presidente é o chefe do cofre e o senhor do Diário Oficial, que a tudo distribui, a tudo dita, voluntariosamente. Com menos poderes, mas não desprezíveis, têm força aqueles que se sentam nos poderes estaduais – os governadores. Assim é, assim será, enquanto o regime que nos rege for o presidencialista, nele não haverá escapatória, pois as migalhas orçamentárias – e as extras orçamentárias, quão fisiológicas são – serão sempre distribuídas pelo suserano, seja presidente ou governador.
Repito, tem toda razão o eminente procurador Mauri V. Riciotti – afirmo porque tenho ciência própria mercê longa vivência como parlamentar, secretário de estado, conselheiro do Tribunal de Contas, conhecendo bem aquelas entranhas – quando se refere ao fenômeno autoritário, discricionário do Poder Executivo. Sua autoridade inicia-se com a proposta orçamentária ao Legislativo, isto para atender e tão somente preceito constitucional, com ordens expressas para não sofrer modificações permitindo apenas “uns jeitinhos”, uns “bombons” para agrado aos subservientes parlamentares, cujo valor é medido pelo chefe do Executivo, seja estadual ou federal, mesmo com a repulsa e os protestos daqueles que tem independência e não vergam sua consciência cívica. Não há possibilidade de reação, um basta do Poder Judiciário, do Ministério Público, do Tribunal de Contas, embora consagrados na Lei Maior com autoridade de decisão ao primeiro, fiscalizatória do bem público os outros, suas autonomias orçamentárias também são restritas – e às vezes coactas sem o ugir nem mugir. Daí o caos atual da Federação.
Do autoritarismo do Executivo interferindo, pela faculdade que lhe dá a Carta Magna, na composição do quadro superior dos Tribunais, dos Ministérios Públicos, dos Tribunais de Contas, com sua caneta imperial e inquestionável, surgem fatos que algumas vezes causam mal as instituições, tão bem ressaltados pela pena brilhante do procurador Mauri Valentim Ricciotti. Crotálico mal da corrupção, ainda que pontual e não metastático, tenta corroer o corpo das instituições públicas do País.
Há solução? Creio que sim. Basta que o futuro Chefe da Nação, acatando uma cálida aspiração de seu povo promova a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte Revisora do atual texto de 1988, que seja exclusiva, esta estabeleça em primeira mão a implantação do sistema parlamentarista de governo. Neste e pela sua própria estrutura não cabe o mandonismo de um poder sobre os outros, sim um harmônico equilíbrio entre eles, tais as competências que lhe são inerentes do próprio parlamentarismo. Ressalte-se que no parlamentarismo, o Chefe de Governo, o primeiro ministro, não é dono de seu nariz, nem possui mandato de tempo certo, eis que há um sistema de contrapesos regulado pela soberania popular através do parlamento, cuja responsabilidade e o mandato de seus integrantes está sempre sob a mira da mesma soberania do povo, que pode dissolvê-lo convocando novas eleições.
Fui longe, tal a solidariedade que me impõe o pensamento lúcido e corajoso do procurador Mauri Valentim Ricciotti.
Ruben Figueiró de Oliveira foi deputado estadual e federal