Nasci em Três Lagoas. Enquanto viver, serei grata por isso.
Naquele tempo, Três Lagoas era muito menor do que hoje, mas para meus olhos e coração de criança, era maior do que o mundo inteiro, maior do que as grandes cidades de que falavam os adultos, maior do que qualquer um daqueles reinos, reais ou imaginários, que povoavam nossos livros coloridos.
Foi o primeiro lugar que meus olhos viram, e serviria de modelo para tudo o mais que viesse a ver e conhecer no mundo, que sempre avaliei e medi pelas réguas e compassos que me deram as ruas, as praças e os quintais da minha terra.
Aqui estavam as primeiras pessoas que amei, e que me ensinaram a amar: avós, pai, mãe, irmãos, tios e tias, primos e primas, depois colegas de escola e amigos da mesma idade, que compartilhavam comigo as descobertas e encantamentos que Três Lagoas tão generosamente nos oferecia.
Com o passar dos anos, deixei Três Lagoas, e mergulhei no mundo dos livros. Neles, aprendi que o mundo era maior do que o meu mundo, estudei os sonhos e necessidades de outros povos, em outros tempos e lugares, construí um campo de estudos e ingressei numa profissão. Casei, tive filhas, plantei árvores. Mas Três Lagoas era sempre um chamamento dentro de mim, e voltei. Voltei para reencontrar o território da minha infância, e também para devolver, dentro das minhas possibilidades, o que Três Lagoas havia me dado.
Foi então que Três Lagoas me propiciou sair dos livros que havia lido e dos muitos que sonhava ler, e reaprender que as melhores histórias são aquelas que nós mesmos fazemos. O povo três-lagoense me acolheu com generosidade nas minhas campanhas políticas, e me permitiu exercer, por duas vezes, o honroso posto de Prefeita Municipal. Da primeira campanha, nunca me esquecerei dos meus apoiadores mais entusiasmados, quando ainda era uma candidata com poucas chances de vitória – foram as crianças de Três Lagoas que primeiro me abraçaram nas praças e nos comícios, que me cercavam pedindo autógrafos, e que finalmente abriram para mim as portas de suas casas. Elas me fizeram ver que, na verdade, o mundo não era maior do que o meu quintal, como disse um dia o poeta de todos nós, Manoel de Barros. É no quintal que cultivamos as “lembranças que vão e vêm”, o que a nossa professora, escritora e poetisa Flora Egídio Thomé chamou de “chão da memória”.
Ao assumir a Prefeitura, muitos foram os problemas e desafios que encontrei, mas me movia uma certeza que jamais me abandonou: Três Lagoas possuía todas as condições – naturais, geográficas, humanas – para trilhar um caminho de desenvolvimento sustentável, capaz de responder às necessidades e às potencialidades de sua gente. Todas essas condições já estavam aí – sempre estiveram aí –, faltava apenas saber utilizá-las. Três Lagoas era um diamante bruto, e cabia a nós lapidá-lo.
Entre tantas passagens dos tantos livros que li, uma me veio então à mente: Michelangelo, artista-maior do Renascimento – autor de obras-primas da escultura como a Pietá, o David, o Moisés, a Noite, e tantas outras –, quando perguntado de onde vinha a grande arte que fazia, respondia que a arte, na verdade, já estava pronta dentro do mármore, e que cabia ao artista tirar-lhe os excessos e expô-la à luz.
O futuro promissor de Três Lagoas também sempre esteve diante de nós, e a construção desse futuro deve ser realizada como a obra do artista: respeitando a natureza do material que trabalha, para que a obra final não contradiga o espírito profundo que nele habita, e o desejo do Criador que o arquitetou.
Sempre digo que a minha maior realização como Prefeita, aquela que mais me comove e pela qual quero ser lembrada – mais do que qualquer obra física ou econômica –, foi ter resgatado, no coração das pessoas, o orgulho de viver em Três Lagoas. Esse orgulho estava no interior da alma de cada três-lagoense – só precisava de um pequeno incentivo para fazê-lo vir à luz.
Hoje, ao comemorar seus primeiros cem anos de existência, Três Lagoas tem recebido numerosos títulos, alguns grandiloquentes: “capital mundial da celulose”, “polo industrial do centro-oeste”, “cidade líder do desenvolvimento”, entre outros. Esse reconhecimento é muito bom. Crescer é muito bom. Mas meu coração de criança, que nunca morreu, me lembra sempre que o crescimento não é um valor em si. É preciso saber crescer.
Para uma cidade, o crescimento que interessa é aquele que atende às necessidades e anseios de sua gente, que respeita os seus valores e valoriza a sua qualidade de vida. Dito de outra forma: mais do que crescimento, devemos buscar o desenvolvimento, que inclua todos os três-lagoenses, aproveitando tudo aquilo que já fizemos e preparando um solo acolhedor e benfazejo para aqueles que virão depois de nós.
Muitas outras crianças abrirão ainda os olhos em Três Lagoas. Que elas também possam se maravilhar e descobrir o mundo, mas sem perder o orgulho pelos seus quintais – pois são eles, na verdade, que compõem e constroem o mundo.
Parabéns a Três Lagoas – nosso pedaço de mundo – neste primeiro Centenário e em todos os outros que virão.
Senadora SIMONE TEBET