O Brasil vive a pior crise fiscal da história recente. A maior parte do ajuste virá pelo aumento de tributos, já que essa é a regra predominante no Brasil. Existe nítida preferência da sociedade pelo assistencialismo, pelo paternalismo e pela pesada participação do governo na economia, consagrada na Constituição de 1988. E, por isso, a já escorchante carga tributária tende a crescer e deve se aproximar dos 37% do PIB este ano.
Pelo lado das despesas, o governo realiza alguns cortes pouco significativos. Cabe esclarecer que a União controla apenas 10% do que arrecada e, mesmo nessa fatia, há forte resistência contra cortes, sobretudo em programas da seguridade. Os 90% restantes são vinculações e despesas exigidas por lei. Está claro que é preciso repensar as finanças públicas. O modelo está definitivamente superado.
Desde a década de 90, para atender às crescentes despesas públicas, a extração adicional de impostos avançou o equivalente a quase 15% do PIB. É claro que este processo tem origem na opção da sociedade por um estado de bem-estar social e, portanto, por presença estatal cada vez mais vigorosa. Nesse sentido, é preciso discutir o ajuste fiscal não apenas pelo lado da arrecadação, em que a reforma tributária é a demanda primordial, mas que também se comece a questionar mais fortemente o lado das despesas.
Se os gestores públicos analisassem os orçamentos com uma lupa para aferir a racionalidade dos gastos, eles certamente chegariam à conclusão de que há incontáveis dispêndios injustificáveis.
A manutenção inercial de gastos é um aspecto relacionado ao modelo orçamentário praticado no país, que se baseia no orçamento incremental. Cria-se uma despesa e depois ela se perpetua ano após ano sem que haja avaliação periódica em termos do retomo social. E vão se adicionando novos programas sem que os que estão vigentes sejam analisados em termos de custos e benefícios.
Daí a necessidade de avaliar a adoção do orçamento base-zero. Trata-se de técnica orçamentária em que, anualmente, ao se preparar a proposta de orçamento para o ano seguinte, os programas em andamento seriam avaliados no tocante à eficiência e eficácia. Programa que não atendesse a essa exigência básica seria extinto.
Vale notar que a adoção de critérios orçamentários semelhantes a esse seria inerentemente incompatível com vinculações orçamentárias e combateriam de forma decisiva a rigidez que atualmente inviabiliza a curto prazo qualquer ajuste fiscal pelo lado dos gastos.
A adoção do orçamento base-zero tornaria rotineira a saudável prática de avaliar e identificar programas ou atividades que poderiam ser extintos ou redimensionados, para promover o equilíbrio fiscal, custear outras despesas ou reduzir a dívida pública.
Será que alguém analisa de modo criterioso, por exemplo, os programas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), cujo orçamento para 2016 supera R$ 75 bilhões, para averiguar se são eficazes? E os benefícios fiscais (gastos tributários) de R$ 35 bilhões concedidos para as empresas localizadas em áreas classificadas como de desenvolvimento regional são justificáveis à luz de parâmetros técnicos que possam definir se devem ser mantidos?
A adoção do orçamento base-zero seria um importante complemento à Lei de Responsabilidade Fiscal. Simplesmente reduzir número de ministérios, como vem sendo feito, sem acabar com a função orçamentária, é mera enganação. Apenas se muda a dotação do gasto sem a efetiva redução.
Estamos no limite do ônus tributário suportado pelos brasileiros. Cada vez mais a sociedade vai rejeitar aumento de impostos, tornando necessário discutir gastos, mesmo com todas as dificuldades que terão de ser enfrentadas em uma sociedade viciada em subsídios, transferências, rent-seeking e que acalenta uma utópica e interesseira conceituação do papel do setor público na economia.
* Marcos Cintra é doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular de economia na Fundação Getulio Vargas (FGV)