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Uma Nova Visão para o Lixo

Sabedoria antiga ensina que o olho de quem vem de longe muitas vezes descobre a gravidade de problemas que o pessoal de casa, de tanto conviver com eles, sequer percebe a necessidade de resolvê-los. (Luiz Garcia – jornal “O Globo” em 06/11/2009).
Saí um belo domingo, no período da tarde, para caminhar e me vi em meio de ruas sujas. Deparei-me com garrafas de água e refrigerante, garrafas de cerveja, papéis de vários tipos, texturas e tamanhos, pontas de cigarros, caixas de papelão e muitos sacos e sacolas plásticas.
Encontrei nos espaços das calçadas e beiras das guias de sarjeta material orgânico como folhas e galhos de árvores. Por sinal, calçadas existem ao menos na teoria, para o pedestre transitar, mas há locais em que o lixo, entulhos e matos não permitem.
Esse encontro repentino com o descarte das pessoas levou-me a pensar a cada passo que dava. Iniciei um processo de reflexão aliado à observação e constatei que é difícil encontrar alguém, mesmo que em sua casa, num domingo, em seu descanso, não esteja consumindo algo e, possivelmente, gerando lixo.
Vi jovens tomando tereré, outros saboreando cerveja ou refrigerante com algum petisco. Isso, por mínimo que seja, gerou resíduos, desde o processo de produção até o consumo. Carros para lá, motos para cá, que, além de estarem consumindo combustível, estão gastando seus pneus que, um dia, se tornará descarte. O óleo de carter será trocado que, também, vem em uma embalagem que será resíduo.
Passei de fronte a estabelecimentos comerciais que, durante a semana, geram volumes de resíduos a partir de embalagens e sobras. Vi várias construções ou reformas e lembrei-me de seus restos como: o entulho, os sacos de cimento e cal vazios, as pontas de canos, os restos de madeira, as latas de tinta e massa corrida e os pedaços de pisos e azulejos que vão para a caçamba e, depois, serão dispostos em algum local.
Voltei para minha casa e fui até a cozinha beber água e logo lembrei do almoço que gerou restos de legumes e de verduras, sobras de comida e embalagens vazias.
É, parece que estamos aqui, na Terra, para sujá-la. A cada minuto, montanhas de lixo são geradas, mas, até quando a natureza dará conta de desaparecer com isso? Nela, nada se perde, tudo se transforma. Deveríamos levar isso em conta e adotarmos a reciclagem como ação obrigatória em nossos lares e nos locais de trabalho.
Manter limpa a frente de sua casa (calçada, guia de sarjeta e parte da rua) seria de fundamental importância para a cidadania, já que cidade suja enfraquece a nossa autoestima, ao menos a minha. Não quero viver num chiqueiro.
É prazeroso morar numa cidade limpa e não emporcalhada como encontrei durante minha caminhada.
Houve um período relativamente longo, no início do século 20, em que a urbanização das principais cidades brasileiras ocorria sem nenhum planejamento, controle e asseio. Contudo, isso passou, pelo menos, eu creio.
Isso foi e é decorrente da total omissão dos poderes públicos municipais (de algumas cidades) em exercer alguma ação que evidencie a importância de termos uma cidade limpa. É essencial para a vida de milhões de indivíduos que vivem nas cidades. Precisamos imputar a consciência ambiental nas pessoas.
O Ministério das Cidades divulgou recentemente os números do manejo de resíduos sólidos urbanos no Brasil, referentes ao ano de 2007. Pesquisou 306 municípios, que representam 55% da população urbana, e constatou que a cobertura média de coleta de lixo nas cidades pesquisadas é de 90%. A coleta seletiva só chega a 56,9% dos municípios da amostra, que inclui todas as capitais e cidades com mais de 500 mil habitantes. (editorial do “Jornal de Brasília” em 20/10/2009).
Penso que esse dado é preocupante, já que, nas grandes cidades, há economia de escala para ter um processo mais desenvolvido e viável para se coletar e processar o resíduo que vai para o lixo. Agora, nas pequenas cidades, isso não ocorre.
A mesma pesquisa apresenta que, “cerca de 64% do lixo coletado vão para aterros sanitários, 26,6% são levados para aterros controlados – que têm estrutura melhor que lixões, mas, onde há trabalho de catadores – e 9,5% dos resíduos ainda vão para os lixões, considerados a pior solução para o destino final”. Outro agravante é que, dos 587 aterros catalogados, 46% não têm qualquer tipo de licença ambiental.
Você, leitor e eleitor, já está analisando a coleta seletiva em seu município? E o lixo que você gera, para onde tem ido? Pense que um bom político não é aquele que só faz ações que aparecem, mas, sim, aquele que tira o lixo de debaixo do tapete e dá o fim adequado a ele.
Para se ter uma idéia do tamanho do problema, “a quantidade média de material reciclável recuperado é de 3,1 quilos por habitante por ano, menos de 1,5% do que seria possível reaproveitar. Papel e papelão representam a maior parte do material recuperado, 50,7%. Em seguida, aparecem plásticos (26,4%), metais (12,1%) e vidros (6,4%)”. (editorial do “Jornal de Brasília” em 20/10/2009).
Embora ainda haja alguns céticos irredutíveis com relação à viabilidade econômica da coleta seletiva e da reciclagem de parte dos resíduos sólidos, em especial prefeitos com visão economicista, o quadro apresentado acima mostra que há muito espaço para o crescimento do setor de reciclagem no Brasil.
No fundo, esse imbróglio se deve aos custos com combustível, manutenção de veículos e recursos humanos envolvidos na coleta seletiva das cidades. Soluções criativas devem ser colocadas em prática, como o apoio a associações e cooperativas de catadores, campanhas de conscientização ambiental e instalação de “ecopontos” para a entrega voluntária de material reciclável. As parcerias público-privadas devem existir sempre que necessário.
Sair do beco do pessimismo e do impossível envolve vontade política e consciência coletiva. O que não pode ser admitido é achar normal ter lixo nas ruas e materiais que poderiam ser reciclados no lixo. Afinal de contas, reciclar é limpar a natureza, gerar empregos e renda, economizar energia e otimizar os aterros.     
 
Marçal Rogério Rizzo: Economista e professor da UFMS de Três Lagoas