O artigo desta segunda-feira foi escrito antes da eleição de 31 de outubro, mas, quando publicado, o resultado da votação já será conhecido.
Ainda assim farei algumas considerações acerca do pleito que ainda não ocorreu, mas que ao ser lido o artigo já terá ocorrido.
A primeira é que o pleito se apresenta diferente dos anteriores, diferente porque não houve praticamente o debate eleitoral como se processava até agora.
O que houve foi a presença de dois candidatos em programas de televisão, pois, em verdade, o debate pré-eleitoral foi substituído pela divulgação de pesquisas de opinião; e, na medida em que forem confirmadas nas urnas, não faltará quem diga que o ato supremo da cidadania ativa se tornou ocioso, pois o resultado era conhecido antes da eleição.
Se o resultado não for ratificado pela votação, dir-se-ia que uma grande fraude teria sido montada.
Se isto vier a ocorrer o legislador não se poderá eximir de examinar a situação inédita.
A situação imaginada não tem precedente, e a própria Justiça Eleitoral, com a sua experiência, poderá contribuir para que se não repita a esdrúxula situação.
Do quadro imaginado duas realidades surgem, nítidas: a prevalência da pesquisa de opinião, de um lado, e a relatividade de seu mérito, de outro, ambas a minar a cerimônia que envolve diretamente a nação inteira.
A participação do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, como "cabo eleitoral da Dilma", como ele próprio se expressou em suas arengas à nação, é outro problema.
Entre as muitas atribuições que a Constituição lhe confere, existe a de escolher um candidato à Presidência da República?
Não, não confere.
Mas alguém dirá que, podendo ou não podendo, o presidente assumiu essa até aqui inédita atribuição.
E ao assumir, segundo suas próprias palavras, o papel de cabo eleitoral, provocou situação até então imprevisível, segundo a qual ele desequilibrou o prélio eleitoral.
Entre um candidato que não tem outro título que não o de candidato e nada mais do que isto, seu concorrente mercê do patrocínio do presidente da República fez-se detentor de um sobrepoder que torna a eleição, querendo-se ou não se querendo, inconfundível com a eleição prevista em lei e pela Constituição.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz anos vem ocupando diariamente o sistema nacional de televisão, sem falar do imenso poder que no regime presidencial possui e exerce: chefe do governo e chefe do Estado.
Desse modo, ele se sobrepôs à lei, dispondo de tempo praticamente ilimitado para tratar de todos os assuntos ao seu arbítrio, inclusive os de natureza eleitoral, muito antes de ser permitido qualquer tipo de propaganda a esse respeito.
As manifestações são públicas e notórias, mas, apenas a título de exemplo, lembro que a sua eleita agora -só agora, nesta última semana- tornou pública sua plataforma de governo.
Em verdade, ela é mera formalidade; divulgar a plataforma depois da eleição do primeiro turno e uma semana antes do segundo, por ser desnecessário era dispensável.
A própria candidatura dispensava a plataforma, como a plataforma dispensava a candidatura, dado que esta não passa de um pseudônimo. O verdadeiro candidato é o cabo eleitoral, ainda que tudo isto constitua uma sucessão de anomalias legais.
Paulo Brossard foi Ministro da Justiça, presidente do TSE e Ministro do STF