No último dia 14 de julho, o Senado argentino aprovou o matrimônio homoafetivo. Com essa vitória, a Argentina passa a ser o primeiro país na América do Sul a admitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, demonstrando grande avanço no que diz respeito à busca da igualdade e liberdade dos seus cidadãos. Esse notável acontecimento no país vizinho, inevitavelmente, provoca em nós brasileiros a necessidade de reflexão sobre o tema.
Pois bem. Como se sabe, não existe qualquer previsão sobre a união estável de pessoas do mesmo sexo em nossa legislação. A Constituição Federal de 1988, apesar de propor uma sociedade justa e igualitária, sem preconceitos e discriminação, não abordou expressamente a questão da liberdade sexual, muito menos a união homoafetiva.
Pelo contrário, em nosso ordenamento jurídico a lei somente reconhece como entidade familiar a união entre o “homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. Verifica-se que o legislador fez constar na letra da lei os gêneros homem e mulher, afastando a possibilidade da existência de entidades familiares compostas por pessoas do mesmo sexo.
Diante dessa omissão legislativa, não restou alternativa aos casais homossexuais, senão a de bater nas portas do Poder Judiciário para buscar uma solução jurídica para a situação fática por eles vivida. Isso porque a ausência de regulamentação da união homoafetiva impede o reconhecimento espontâneo de direitos e deveres entre os parceiros, ou mesmo o reconhecimento da relação perante terceiros.
Após longos anos de batalhas e muita discussão, com decisões divergentes dos Tribunais de Justiça de diversos estados, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem decidindo pela possibilidade de ser reconhecida a união estável entre pessoas do mesmo sexo, desde que comprovados os mesmos requisitos para a configuração da união estável de casais heterossexuais.
Sob a influência do posicionamento do Poder Judiciário, somada à pressão social, passou a ser admitido o registro do relacionamento homoafetivo nos cartórios oficiais, por meio da chamada Escritura Pública de Convivência Afetiva.
Ocorre que, por nada haver expressamente previsto em lei, os casais interessados em oficializar o seu relacionamento encontram empecilhos, entre eles o fato de não serem todos os cartórios que realizam a lavratura do documento, sob a justificativa de temerem represálias por violação da Lei 8.935/1994, que proíbe a lavratura de documento público contrário à moral e aos bons costumes.
Em contrapartida, demonstrando-se notório avanço, nos estados de Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, por exemplo, todos os cartórios realizam o registro da Convivência Afetiva entre pessoas do mesmo sexo, existindo, até mesmo, previsão do procedimento a ser adotado.
Em São Paulo, o Cartório mais procurado para formalização da Convivência Afetiva é o 26º Tabelionato, situado na Praça João Mendes, que só no primeiro trimestre desse ano lavrou 69 escrituras públicas oficializando a relação de casais do mesmo sexo.
Muito embora a Escritura Pública de Convivência Afetiva não possa ser equiparada ao casamento ou ao registro da união estável, por falta de previsão legal, nesse pacto é possível fazer constar cláusulas que facilitam a eventual exigência de direitos e deveres entre os parceiros, bem como perante terceiros, como, por exemplo, a inclusão como dependente em planos de saúde e beneficiário de pensão do INSS; opção por um dos regimes de bens – separação total, comunhão parcial ou comunhão total dos bens; questões de herança e partilha de bens; e autorização para movimentação de conta bancária, entre outros. Destaque-se que esse documento possui fé pública, sendo importante meio de prova em eventual ação judicial para pleitear e defender direitos e deveres advindos do relacionamento vivido pelo casal.
A situação da união homoafetiva ainda é precária no Brasil, uma vez que, enquanto não for alterada a lei, não será possível equiparar todas as garantias legais previstas para a união heterossexual para homossexual.
O que se pretende demonstrar é que, apesar da crescente aceitação social do direito à união formal de pessoas do mesmo sexo, nossa legislação está distante da realidade. Afinal, há tempos o homossexualismo deixou de ser encarado como uma mera opção e passou a ser um fato da vida humana, que, assim como todos os fatos que produzem efeitos no mundo jurídico, deve ser absorvido pelo conjunto de leis e princípios que regem o Estado Democrático de Direito.
Dessa forma, enquanto permanecer a omissão legislativa sobre a matéria, é importante estar claro que existem meios judiciais para pleitear direitos e garantias advindos das relações homoafetivas, já que não é somente pela expressa autorização legal que nasce o direito.
Mariana Fideles é advogada de Direito Cível em São Paulo
Opinião