A aprovação da proposta a favor de um terceiro mandato para o presidente Lula, cujo tema tem sido discutido em surdina na Câmara de Deputados e exibido na imprensa, seria uma aberração para a democracia no Brasil.
Tudo começou com rumores baseados na popularidade elevada que Lula conquistou no Brasil e no mundo. Na mesma região latino-americana, as energias oscilam entre setores que enxergam nele um estadista equilibrado e os que entendem seus anos de gestão como uma traição à esquerda que o elegeu como o sindicalista humilde que atenderia aos anseios da massa oprimida. A informação recorrente em seus discursos, porém, é que Lula não almeja um terceiro período de governo e seu partido – o Partido dos Trabalhadores – é veementemente contra esta continuidade.
Ainda que parecesse história para a imprensa tomar como pauta, um deputado federal do Sergipe buscou assinaturas para a proposta de emenda à Constituição 367/2009 com o pretexto de demonstrar que o Nordeste é grato ao labor de Lula. Cogitou-se, com ela, mudar a nossa Lei Magna permitindo a concorrência de terceiro mandato aos cargos de presidente, governador e prefeito. Em maio, a proposta circulou na Câmara devido à obtenção do número suficiente de assinaturas de deputados até que alguns deles retiraram seu apoio.
Em pleno debate sobre a reforma política, que inclui o tema do financiamento público de campanha, joga-se água em óleo fervente. Talvez porque a pressa fale mais alto tomando-se em conta que o prazo para mudanças nas regras eleitorais, que vigorariam em 2010, é até final de setembro. O assunto do terceiro mandato foi discutido, mas a aprovação depende de três quintos de votação favorável em dois turnos na Câmara e no Senado. Falou-se pouco de um referendo popular até que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara decidiu arquivar a proposta por declarar sua inconstitucionalidade.
O óleo, neste ínterim, remexeu com debate, intriga, desconfiança e até ameaça do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) de julgar os deputados de sua legenda que apoiaram a proposta de um terceiro mandato devido à desaprovação do partido de conteúdo desta natureza. A idéia do terceiro mandato interessa mais aos níveis municipais e estaduais devido à baixa concorrência ou à inexistência de candidatos aptos a oferecer oposição em alguns deles. As paredes da Câmara suaram frio, mas logo se desfez o rumor e os holofotes se voltaram a Dilma Rousseff, a quem supostamente caberá assumir a candidatura às eleições como sucessora de Lula.
Deixo bem clara a minha posição contrária ao terceiro mandato em todos os níveis. Entendo que a aprovação desta proposta, que percorreu a Câmara, induziria à concentração de esforços em torno da figura do governante em vez das instituições democráticas, prejudicaria a rotatividade dos governantes, facilitaria o dimensionamento tendencioso – e em muitos casos irreversível – dos cargos de confiança e da estrutura de governo, e acomodaria a cultura política de indiferença e desconhecimento dos cidadãos brasileiros diante das funções públicas.
Anunciou-se o velório da PEC 367/2009, porém o candelabro mantém-se aceso à espera de outra aberração deste tipo na política brasileira.
Bruno Peron Loureiro é analista de relações internacionais.