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Visão curta para diagnosticar e tratar uma doença

Existe temor por parte do governo para realizar campanhas de testagem para encontrar os milhões de infectados pela hepatite C. A alegação universal é que os custos com o tratamento seriam muito grandes, impossíveis de suportar pelos sistemas públicos de saúde.

Tal afirmação depende da visão dos responsáveis pela saúde. Se a visão é curta a afirmação é correta, mas se o gestor possuir uma visão ampla e for conhecedor dos custos financeiros e sociais da saúde, certamente não aceitará tal "esfarrapada desculpa" para nada ser feito.

É interessante comparar o que Brasil faz nas políticas públicas de saúde em relação a AIDS e a hepatite C. Colocou a hepatite C sob a tutela do programa de AIDS e, a visão curta dos gestores ainda não identificou que são duas doenças totalmente diferentes.

Querer comparar custos de tratamento da AIDS, que depende de uma terapia permanente do infectado com os custos da terapia da hepatite C que é realizada com um tratamento de curto prazo seria igual a querer comparar baleias com cavalos, alegando que os dois são mamíferos.

Na hepatite C o tratamento é de somente 24 ou 48 semanas, caminhando rapidamente para tratamentos menores de 16 ou 24 semanas em um grande percentual de pacientes.

Considerando os diversos genótipos e os tempos de tratamento para todos os infectados, incluindo as interrupções, a média de duração da terapia para hepatite C pode ser estimada em 36 semanas de duração, conseguindo a cura definitiva de aproximadamente 60% dos pacientes.

O custo com medicamentos para 36 semanas de tratamento no SUS onde a compra dos medicamentos é centralizada, fica em R$. 13.500,00. Considerando que a cura é obtida por 60% dos tratados, o investimento por paciente curado da hepatite C resulta em R$. 22.500,00.

Em relação a AIDS o custo anual do tratamento para o sistema público de saúde no Brasil, entre medicamentos, exames e acompanhamento é superior a R$. 3.000,00. Em sete anos os gastos com um paciente infectado com o HIV resultam iguais ao de um paciente curado da hepatite C, sendo que o paciente com AIDS continuará em tratamento de forma permanente pelo restante da sua vida.

Pior, se o infectado com hepatite C não receber tratamento, o que no caso dos gestores de visão curta é considerada uma economia, a progressão da doença o levará a desenvolver um quadro de cirrose ou câncer no fígado, obrigando o sistema público a tratamentos absurdamente caros, isso sem considerar a necessidade de um transplante de fígado, quando então as despesas totais por infectado será superior aos trezentos mil reais.

Acha o gestor de visão curta, errando novamente, que essa despesa futura será um problema do próximo governo, ignorando que a bomba viral da hepatite C já começou a explodir. Ignora o gestor de visão curta que a maioria das infecções aconteceu nas décadas de 70 e 80 e que os casos de cirrose e câncer de fígado estão aparecendo agora, crescendo de forma exponencial e o sistema público de saúde, por culpa dos gestores de visão curta não está preparado para enfrentar a situação.

Para enfrentar a maior epidemia que assola o Brasil, atingindo 3,5 milhões de brasileiros é necessário que os responsáveis pelas ações de combate a hepatite C procurem melhorar a visão do problema, a enxerguem na sua plenitude, para assim encontrar os mais de três milhões de brasileiros que estão perdendo a vida.

* Carlos Varaldo é presidente do Grupo Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite