Discussão recorrente na Câmara e Senado, a proposta de descriminalização do aborto ficará fora de debate no Congresso neste ano. A aproximação do calendário eleitoral fez os parlamentares sinalizarem o recuo do tema, considerado espinhoso e delicado aos futuros candidatos. Dos 19 projetos em tramitação nas duas Casas sobre aborto, não há qualquer previsão de votações em plenário ou comissões. A maior parte dos autores e relatores já antecipou que, se depender deles, as matérias ficarão engavetadas.
É o caso do deputado José Genoíno (PT-SP). No início do ano passado, o petista protocolou na secretaria-geral da Mesa Diretora um recurso para que o projeto de lei 1135/91, que foi derrotado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e prevê a descriminalização do aborto, seja apreciado pelo plenário. Na justificativa, o petista usou o regimento interno, e alegou que a matéria não poderia ser sumariamente arquivada, uma vez que contava com outros projetos apensados.
Procurado pela reportagem, Genoíno apresentou uma argumentação mais cautelosa e amena sobre o assunto. Segundo ele, não haverá “clima” para discussão neste ano e a falta de interesse dos colegas deverá dificultar ainda mais a apreciação em plenário. “Ainda há muito conservadorismo quando se discute o aborto. Em ano eleitoral, o cenário fica ainda mais complicado. Certamente será mais conveniente e fácil construir um acordo em outro momento”, disse o parlamentar.
Genoíno recolheu 67 assinaturas para protocolar o recurso na Mesa Diretora. Segundo interlocutores, vários parlamentares manifestaram a intenção em retirar as assinaturas após tomar conhecimento de que a votação para a apreciação é nominal. O risco de chocar com o eleitorado em plano eleitoral fez os deputados confirmarem a posição de recuo sobre a discussão da descriminalização do aborto.
“Bolsa estupro”
Representante da ala contrária à descriminalização do aborto, o deputado Henrique Afonso (PV-AC) também deixa claro a preferência em adiar as discussões sobre o tema durante 2010. O parlamentar é co-autor do projeto 1763/2007, que está parado na Comissão de Seguridade Social e prevê a criação de uma ajuda financeira de um salário mínimo para a criança gerada a partir de um estupro, até os 18 anos, caso a mãe decida ir adiante da gravidez.
A proposta sofreu duras críticas, entre elas do deputado Genoíno. Mesmo com o clima de debate e enfrentamento, Henrique Afonso é taxativo e também defende que o projeto volte à discussão num momento mais oportuno. O deputado também faz menção direta ao calendário eleitoral “Acho que antes de entrar na pauta de votação seja preciso realizar pelo menos duas audiências públicas. Mas o ano eleitoral deverá dificultar o calendário da câmara. Não tenho expectativas que a proposta volta a tramitar antes disso”, argumenta.
O relator do projeto também vê atrasos para a discussão do projeto ainda neste ano. José Linhares (PP-CE), que não chegou a apresentar o parecer sobre a matéria, alegou que com a alteração da presidência da Comissão, prevista para a retomada dos trabalhos legislativos, o projeto poderá continuar engavetado. Entretanto, ele não manifestou a intenção em permanecer na relatoria. “Tudo vai depender da decisão da nova presidência. E obviamente, das prioridades da comissão. Ainda não há consenso para colocar o projeto em pauta”, disse o relator da matéria.
Consulta parlamentar
Embora relatores e autores de projetos relativos ao aborto manifestem abertamente a preferência em adiar a discussão sobre o tema em 2010, o confronto de opiniões no Congresso demonstra que a maior parte dos deputados e senadores é contrária à descriminalização do aborto no país.
De acordo com a pesquisa encomendada pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), mais da metade dos parlamentares entrevistados são contrários a qualquer mudança na legislação do aborto. O levantamento, publicado no fim do ano passado, mostra ainda que 57% dos congressistas é contrário a qualquer tentativa de mudança na lei para permitir a interrupção da gravidez.
Segundo a pesquisa, 15% dos parlamentares rejeitam a prática do aborto em qualquer situação, inclusive estupro ou risco de morte para a mãe ou o feto. Apenas 1% acha que a legislação deve ser ampliada, de maneira que a interrupção voluntária de gravidez seja permitida em determinados casos. Já aqueles que apoiam a ampliação irrestrita da lei são 18%, enquanto 8% não souberam opinar.