Uma audiência de prestação de contas das ações da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde Pública) nos primeiros quatro meses deste ano que parecia simples e calma acabou resultado em um mal estar após a manifestação de um dos vereadores mais ferrenhos na crítica a forma como a saúde pública campo-grandense é gerida atualmente.
Realizada na manhã desta segunda-feira (30), a audiência foi feita no plenário da Câmara de Vereadores e contou com a presença de vários técnicos da Sesau. No auditório era possível contar mais de 40, todos acompanhando, durante o expediente, o relatório o qual ajudaram a elaborar.
Em dado momento, após a apresentação, o vereador Tiago Vargas pediu a palavra e iniciou uma fala em tom agressivo, mas taxativo ao criticar a gestão encabeçada por José Mauro Filho, chefe da pasta e que estava presente na apresentação assistida pelo técnicos da Saúde.
"Se eu fosse o prefeito, o senhor não estaria nesta pasta", disparou o parlamentar, seguindo. "Enquanto o senhor estava entregando homenagens na sexta, eu estava fiscalizando e vendo pessoas deitadas no chão dos postos de saúde. Vamos parar de maquiar", cravou.
Vargas ainda disse em seu discurso que o relatório aponta haver dinheiro em cofre para a saúde, deixando a entender que faltaria competência na gestão. "A verdade é essa. A saúde pública está um caos", frisa, lembrando que há pombos defecando em unidades de saúde e pessoas clamando por assistência nesses mesmos postos.
"É uma brincadeira isso com a população. Como um cara desses está à frente da secretaria ainda? Chegamos aqui e parece tudo lindo, com números, dizendo que a saúde de Campo Grande é uma das melhores", reclama Vargas, pontuando no final.
"O secretário mais viaja para Brasília do que vai nas UPAs. Se tem dinheiro, então o senhor que é um incompetente. Eu se fosse o senhor, tomava vergonha na cara e pedir para sair dessa pasta", bradou Vargas, diante de um José Mauro em silêncio.
REAÇÃO
Porém, o silêncio do secretário durou até a oportunidade dele responder à Tiago. "Acredito que já tenha um extenso material para sua campanha, então vou aproveitar para pedir humildemente que quando vá a uma unidade de saúde, respeite os funcionários", declarou.
Mantendo a calma e sob aplausos dos técnicos da Sesau, José Mauro prosseguiu pedindo educação por parte de Vargas, afirmando ainda que a maior autoridade sanitária em um posto é o gerente e ele deve ser consultado durante uma visita de vereador.
"Não tenho preocupação quanto a isso. Tenho indicadores, e a saúde sempre se pautou em indicadores, e eles vem mostrando melhora. Só peço ao senhor que o dia que for à unidade, achando que tem direito de entrar e expor o sigilo da consulta, mostrando a intimidade desses pacientes, tenha respeito à população e aos servidores", finaliza.
Logo em seguida, Tiago Vargas fez uma tréplica e se retirou do plenário, visivalmente irritado por ter sido contrariado pela plateia formada basicamente por técnicos da Sesau. "Esses mesmos servidores que aplaudem vossa excelência são os que vem pedir o voto dos vereadores para conseguir reajuste salarial", desabafou.
Imediatamente após a situação, o presidente da Câmara Municipal, vereador Carlão (PSB) pediu a palavra na tentativa de evitar atrito entre os poderes. "Nós do Poder Legislativo vamos procurar sempre trabalhar em harmonia com o Executivo, mas não vamos tolir a forma de trabalhar de nenhum vereador", declarou.
"Os excessos que existem não é em plenário. É fora. No plenário eu não permito. Fora, eu recebo vários pedidos de repúdio. Como presidente da Casa, falo para o senhor, sempre vamos procurar a harmonia. Vossa senhoria tem o respeito dessa Casa", diz, concluindo. "Jamais vou alimentar desavença com o Executivo". Ao final, Carlão foi aplaudido.
CONTEXTO
Mesmo fazendo parte do PSD, sigla do ex-prefeito Marquinhos Trad e candidato ao Governo do Estado, Tiago Vargas tem atuação forte na área da saúde, de certa forma em oposição à gestão do ex-chefe do Executivo e agora sob o comando de Adriane Lopes (Patri).
Vargas segue uma linha ideológica e política atrelada ao bolsonarismo e, conforme apurado pela reportagem, tentou migrar para o PL neste ano, mas foi barrado pelo PSD sob ameaça de perda de mandato, já que a lei indica que isso pode ocorrer caso ocorra fora da janela partidária específica para vereadores.
Para o PSD, os votos de Tiago são importantes para buscar eleger mais nomes para o parlamento, e por isso ele não foi liberado, mas recebeu aval para seguir atuando mesmo que em oposição à gestão municipal. Diante das pretensões que tinha de se lançar a deputado federal, deve disputar uma cadeira no legislativo estadual.