Uma mais elevada ênfase e uma maior disponibilidade de vagas na Educação Profissional sempre foram quase unanimidade entre os educadores, inclusive este modesto escriba que há mais de 25 anos denuncia que o Ensino Médio, como vinha sendo disponibilizado, representava a maior mazela da nossa educação, um modelo único no mundo, uma jabuticaba estragada que forçávamos goela abaixo de nossos jovens e mestres. Foram décadas com oferta obrigatória de 13 disciplinas, em geral herméticas e desconectadas do interesse da maioria dos alunos, que não levavam em conta as suas aptidões e projetos de vida, cujo escopo primordial seria o ingresso em um curso superior. Entretanto, apenas 24% dos nossos concluintes do Ensino Médio prestariam o Enem ou um vestibular, e somente para parte destes houve sim boas escolas que bem cumpriram sua missão.
Esse Ensino Médio descontextualizado do mundo contemporâneo apresentou consequências desumanas e deletérias à sociedade brasileira. Com o elevado recrudescimento por consequência da pandemia da Covid-19, Brasil tem hoje 13 milhões de jovens de 15 a 29 anos, que os demógrafos denominam jocosamente “nem-nem”- pois nem estudam nem trabalham. Se, por si só, são graves as consequências sociais desse fato, também o são para as finanças do país: estudo feito pelo economista Ricardo de Barros, do Instituto Ayrton Senna, publicado na Revista Exame, indicou que, de um contingente de 7,9 milhões de matriculados no Ensino Médio em 2017, quase 3 milhões abandonaram ou reprovaram, acarretando direta ou indiretamente, somente nesse ano, um prejuízo de aproximados 100 bilhões de reais.
Em maio de 2022, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) lançou o Mapa do Trabalho Industrial 2022-25, apontando que só para o setor fabril, nos próximos 3 anos, o Brasil terá de capacitar cerca de 9,6 milhões de pessoas para atender as necessidades de reposição dos inativos, atualização de funcionários ou preenchimento de novas vagas. Há uma preocupação generalizada com a possibilidade de o Brasil ficar na rabeira da 4ª Revolução Industrial (Indústria 4.0), pois, diferentemente de uma boa parte dos países do mundo, não estamos praticando satisfatoriamente o skilling e o reskilling – ou seja, a qualificação e a requalificação da mão de obra, com exigências novas e mais complexas. Ademais, nossos bons profissionais em áreas como a de tecnologia estão sendo disputados não apenas por empresas locais, mas também pelas globais, com as facilidades do trabalho remoto, os atrativos de receber em moeda estrangeira e a liberdade de tornarem-se nômades digitais.
Nesse contexto, infelizmente o Brasil se tornou, na contramão de suas necessidades, um dos países com menor oferta de cursos técnicos profissionalizantes (apenas 7% a 11% das matrículas do Ensino Médio). Nos 38 países da OCDE (de alta renda, comprometidos com a democracia e economia de mercado), esse índice variou entre 38% e 72%, sendo, portanto, maior a motivação para imitá-los. Mesmo os países da América Latina têm oferta que em percentuais médios equivale a mais que o dobro aos do Brasil. O nosso Plano Nacional de Educação estabelece como meta alcançar 5,2 milhões de matriculados até 2024 em cursos técnicos, contudo atualmente esse número está aquém da metade.
A Educação Profissional tem o condão de reduzir a evasão e a reprovação, especialmente quando as ofertas são articuladas com as demandas regionais, pois privilegia a aplicação prática dos conhecimentos teóricos ministrados e oportuniza a monetização com o ingresso no mercado de trabalho. O Novo Ensino Médio, com implantação gradativa a partir de 2022, inclui a Formação Técnica e Profissional como um dos 5 itinerários formativos. Por sua amplitude, a aprovação da Lei 13.415, em 2017, durante o governo do Presidente Temer, representou uma virada de chave no enfrentamento concreto do problema. Na época, o então Ministro da Educação, ao tomar conhecimento do IDEB para o Ensino Médio, igual a 3,7 (numa escala que vai até 10), assim se manifestou: “Que chances estamos dando aos jovens do Ensino Médio? Zero!” – ele próprio respondeu.
Embora um tema complexo, a necessidade urgente de um novo modelo era de uma obviedade ululante e ipso facto cabe uma pergunta: por que o decurso de tantos anos para aprovar (foi somente em 2017) uma lei tão benfazeja? Resposta: políticas públicas equivocadas e embates ideológicos que tanto prejudicam a nossa educação. Desde então, foram anos dedicados pelo Conselho Nacional de Educação e pelos Conselhos Estaduais de Educação na customização de normas específicas e referenciais curriculares para cada uma das nossas 27 unidades federativas. E um levantamento com abrangência nacional, feito no início deste ano pelo Datafolha, sob encomenda do Todos Pela Educação, demonstrou que 90% dos estudantes do Ensino Médio são favoráveis que nessa etapa seja dada a opção de aprofundamento em uma área – já visando ao mercado de trabalho ou a uma faculdade.
Ao fim e ao cabo, não podemos deixar de tecer loas ao Estado do Paraná, por ter sido laureado com o 1º lugar no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) do Ensino Médio no ano de 2021, e na sequência, numa demonstração de valorização da Educação Profissional, disponibilizou a abertura de novas matrículas em cursos técnicos, o que representa 15,7% de todas as matrículas do Ensino Médio público.
É preponderante afirmar que, com o Novo Ensino Médio e a ênfase renovada dada à Formação Técnica e Profissional, há boas perspectivas de termos alunos mais motivados e com potencialidades mais bem desenvolvidas. Ademais, o Brasil tem agora um arcabouço legal que necessita ser aprimorado depois de um ano e meio de implantação, além de investimento, boa gestão e insubstituível esforço de nossos docentes. Vejo com esperança o potencial para colocar a educação brasileira na trilha das nações com bons índices educacionais, embora ninguém ignore os diversos desafios adicionais da prática em sala de aula.
*Jacir J. Venturi, autor de 4 livros, é membro do Conselho Estadual de Educação, foi professor da UFPR, PUCPR e Coordenador na Universidade Positivo.