A Agência Nacional de Energia Elétrica colocou em vigor no início de mês de julho o reajuste de 52% da bandeira tarifária vermelha patamar 2 – uma cobrança adicional aplicada às contas de luz realizada quando aumenta o custo de produção de energia. A cobrança extra passou de R$ 6,24 para R$ 9,49 a cada 100 kWh consumidos. A alta levou muita gente a se preocupar com os impactos que teremos na próxima conta de luz. Nesse cenário, muita dúvida a respeito dessa alta vem pairando sobre nossas cabeças. Por que esse aumento? É possível revertê-lo? Existem outras formas de termos energia mais barata? E quais tipos de produção de energia estão disponíveis em Mato Grosso do Sul?
Para entender um pouco sobre a questão, as jornalistas Danielly Escher e Ingrid Rocha, conversaram com o secretário de Meio Ambiente, Jaime Verruck (Semagro). A entrevista foi concedida à rádio CBN Campo Grande, emissora integrante do Grupo RCN de Comunicação. Verruck falou sobre a matriz energética do Estado e explicou quais são as energias mais disponíveis.
A avaliação feita pelo secretário é a de que, com a falta de chuvas, mesmo que elas retornem, não será possível em 2021, resolver o problema da energia elétrica alta. “Todas essas hidrelétricas, nesse momento, fecharam seus reservatórios, ou seja, estão reservando água. A consequência de quando se tem pouca água disponível no rio é o aumento de incêndios florestais e os impactos na reprodução de peixes. São as consequências que chamamos de uso múltiplo da água”.
Verruck vê o cenário como preocupante. “Mesmo que as chuvas retornem em outubro, a recomposição desses reservatórios acontecerão somente para 2022”.
Como está a matriz energética em Mato Grosso do Sul?
O primeiro ponto é o momento que estamos passando que é o da crise hídrica. Esse é um ponto fundamental e que não se iniciou neste ano. Desde o ano passado temos uma anomalia sob o ponto de vista climático, reduzindo o volume de chuvas no centro-oeste e, consequentemente, em Mato Grosso do Sul. As consequências não são só para a questão de energia elétrica, porque também tivemos reflexos com incêndios florestais e uma série de outros problemas na questão de impactos econômicos no agronegócio.
É muito importante as pessoas entenderem que o sistema não cria uma situação ainda mais grave, no ponto de vista de interrupção de fornecimento de energia, porque nós temos um sistema nacional interligado. Então, uma energia que é produzida no nordeste do país chega a Mato Grosso do Sul e, uma energia produzida aqui também consegue transitar pelo Brasil inteiro.
Nosso estado tem uma produção de energia e de geração extremamente limpa mas, muito focada na questão das hidrelétricas. Hoje, nós temos a hidrelétrica de Ilha Solteira que fica em Selvíria, temos a de Três Lagoas, a de Jupiá e, também, a Itaipu. Todas essas hidrelétricas, nesse momento, fecharam seus reservatórios, ou seja, estão reservando água. A consequência de quando se tem pouca água disponível no rio são aumento de incêndios florestais e impactos na reprodução de peixes. São as consequências que chamamos de uso múltiplo da água.
O que estamos discutindo agora é a prioridade na geração de energia. Então, temos essa retenção e, a consequência disso é que nós temos hoje no estado uma matriz de geração de energia de biomassa, principalmente, as usinas de cana e de celulose, que teriam condição de fornecer energia para o estado todo. O estado hoje, se tivesse sistema isolado, teria essa condição. Mas, não é assim que o sistema funciona, porque ele distribui isso com todas as linhas.
Já a energia solar tem participação muito pequena, por mais que a gente veja placas solares quando andamos pelas cidades, mas a participação da energia solar é menos de 1% da matriz energética em termos de geração. Ela é importante como energia complementar mas nós precisamos de uma energia estável.
Daí, vem a questão das termelétricas. Mas, essa energia é cara, os consumidores pagam essa conta que aumentou a tarifa da bandeira vermelha em função da necessidade que nós temos de pagar essa conta mais alta.
É uma situação preocupante, estamos sinalizando para outubro com a possibilidade de retorno das chuvas mas, não temos sinalização de resolver esse problema neste ano. Mesmo que as chuvas retornem em outubro, a recomposição desses reservatórios são somente para 2022.
Há algo a ser feito? O senhor explicou que há uma troca entre os estados. Mas nós, aqui no estado podemos fazer algo para diversificar essa matriz e ter uma energia mais barata?
Nós não temos condições de fazer isso. Obviamente, temos políticas públicas como projetos de PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) para serem instalados em Mato Grosso do Sul. Temos projetos fotovoltaicos e de geração de biomassa, inclusive através de biogás. Isso como política de aumento da geração de energia é extremamente importante para o país. Mas nós não temos como estabelecer no sistema isolado. Estado e consumidores não têm como saber de onde vem o fluxo de energia elétrica.
A ideia é que possamos avançar na questão da energia renovável mas, ela tem pouco impacto sobre o ponto de vista da tarifa local, não há como. O que cabe é que as pessoas, individualmente, que podem fazer contratação de energia fotovoltaica nas suas casas, terão redução na conta. As empresas têm caminhado fortemente para isso, para que possam fazer a sua geração de energia fotovoltaica, gerando durante o dia e fazendo aquisição na rede a noite. Há mecanismos e, para isso, nós temos uma série de linhas de financiamento, inclusive para pessoas físicas, para aquisição de painel fotovoltaico. A energia fotovoltaica é um grande instrumento para que tenhamos redução local das tarifas através de investimentos, seja em residências ou empresas que vão fazer a compensação. Por isso que combatemos a questão da tendência que poderia ter, de taxação da energia solar no país.
E energia eólica? Temos condições no estado de ter esse tipo de energia?
Não temos aqui predominância de ventos mais constantes. Por mais que se tenha situações de ventos, esses são momentâneos, sazonais, mas precisam ter constância. Não se verifica a viabilidade de usinas de produção eólica.
A nossa energia tem que ser de geração hidráulica, porque acredito que ainda temos potencial grande de PCHs, principalmente, nas regiões do Rio Pardo, Rio Verde e Sucuriú. Já na bacia do rio Paraguai não temos esse potencial.
O segundo ponto de potencial é de geração de biomassa. Inauguramos em fevereiro deste ano uma unidade de geração de biomassa em Três Lagoas, com geração de energia a partir de eucalipto.
Outro ponto é o da geração de biomassa e a grande frente que temos no estado é de biogás. A partir da utilização de linhaça, as 22 usinas que já produzem biomassa podem ir para o biogás. Temos um projeto em Ivinhema e estamos caminhando para o segundo projeto no município de Caarapó. Esse é um grande potencial de Mato Grosso do Sul. Essas são as linhas que o estado pode avançar na geração de energia.
O presidente Jair Bolsonaro anunciou a vontade de retomar o projeto de construção da Angra 3. Em 2010, a EletroNuclear realizou um estudo aqui em Mato Grosso do Sul e em outros estados para a instalçao de usinas nucleares. O estado teria condição de ter energia nuclear? Qual seria o impacto?
Alguns especialistas colocam a energia nuclear para geração de energia elétrica como uma das grandes soluções, principalmente, para dar estabilidade no sistema elétrico. Acredito que o Brasil ainda não demonstrou muita competência no sentido de produção de energia nuclear. Estamos com Angra 3, já com energia defasada e temos que buscar novos sistemas tecnológicas. Particularmente, eu não gostaria que Mato Grosso do Sul recebesse energia nuclear.
Nós temos toda uma linha de energia renovável, de energia de biomassa. Temos um grande potencial para ser trabalhado na linha de energia mais limpa do que na energia nuclear que, mesmo que tenha tecnologias, mas há uma série de questionamentos.
Mas, os técnicos têm colocado que o Brasil deverá ter uma Angra 3 ou algumas outras usinas. Não vejo dentro dessa linha e acho que temos outras alternativas. Só com o gás natural que nós já temos, projetos de termelétricas, temos um gasoduto. Já poderíamos entrar nessa base nacional de produção através do gás natural que temos disponível, e que gera arrecadação efetiva para o Estado.