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Fim do analfabetismo não tem espaço nos programas dos presidenciáveis

O analfabetismo como problema social ainda não foi citado em debates televisivos no segundo turno

Envergonhada, a diarista Luzia Silva de Araújo, de 53 anos, olhava para todos os lados ao entrar na seção de votação e ficava aliviada quando não avistava outros eleitores. Dos mesários, não dava para escapar. Eles descobririam de qualquer maneira quando ela assinasse o caderno de presença com o dedão. “Ser analfabeta é humilhante. Eu tentava esconder isso na hora de votar”, diz. Ela espera deixar o status em breve, mas, por enquanto, integra o batalhão de 14,1 milhões de brasileiros iletrados, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2009 (Pnad). O contigente é maior do que a população de países como Portugal, Bolívia e Bélgica. Mas o tamanho do antigo problema não foi suficiente para ganhar espaço nas propagandas de televisão e rádio dos presidenciáveis Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), e só ganhou destaque nas eleições, quando o palhaço Tiririca (PR-SP), eleito deputado federal mais votado do Brasil, com 1,3 milhão de votos, foi apontado como analfabeto pelo Ministério Público.

Enquanto a polêmica sobre a diplomação ou não de Tiririca como deputado ganha as ruas, o analfabetismo como problema social ainda não foi citado em debates televisivos no segundo turno. Entre os concorrentes à Presidência, o tema foi brevemente tratado no primeiro turno, quando Marina Silva (PV) comentava que não sabia ler até os 16 anos. Nas poucas vezes em que foram questionados pela então candidata, Dilma e Serra não se aprofundaram em propostas, limitando as respostas ao “vou investir em educação”. Quase esquecido pelos adversários, o mundo dos analfabetos se reduz a passos lentos. Em relação a 2008, o índice do ano passado mostra redução de apenas 0,3 ponto percentual na taxa de analfabetos com mais de 15 anos. Se depender da velocidade de queda na taxa, o cumprimento das metas para o fim do analfabetismo no país exigirá esforços extras.

 Segundo acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 2015 o Brasil deverá ter 6,7% de iletrados. Mas, se o ritmo de redução dos últimos anos for mantido, em 2015, o país ainda registrará 7,9% de analfabetos. Há ainda outra meta: o Plano Brasil 2022, do governo federal, prevê que o problema social esteja erradicado em 2022. Mas especialistas da área não acreditam que a conquista seja comemorada no prazo e alertam que o resultado dependerá de mais investimento na área. “Se não houver mais compromisso e seriedade dos gestores, só a biologia se encarregará de acabar com os analfabetos. Ou seja, quando eles morrerem, teremos estatísticas melhores. É uma vergonha”, comenta o senador Cristovam Buarque (PDT).

O fim do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode receber a amarga notícia para os petistas de ter avançado menos do que a gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) no combate ao analfabetismo. Em 1995, primeiro ano do tucano, havia 15,6% de iletrados no Brasil, segundo a Pnad. O ex-presidente terminou o mandato em 2002 com 11,8%, registrando queda de 3,8 pontos percentuais em oito anos. Já no começo do governo Lula, em 2003, o país tinha 11,6% de analfabetos. O último levantamento, em 2009, apontou 9,7%. Em sete anos do PT, o índice caiu 1,9 ponto percentual.

Comparação
 A lenta redução coloca o Brasil entre os piores índices percentuais de analfabetos da América Latina. Segundo estatísticas da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), de 2005, quando havia 11,1% de iletrados no Brasil. O país estava atrás de países mais pobres, como Barbados, Belize, Paraguai e Trinidad e Tobago, em números de alfabetizados. E se as taxas de outros países se alteraram pouco, possivelmente a posição brasileira no ranking não deve ter melhorado com a queda nos últimos anos. Em 2005, o Peru estava à frente do Brasil com 8,4%. Cinco anos depois, o país continuaria atrás, com 9,7%.

“Nosso maior desafio é fazer valer a Educação para Jovens e Adultos (EJA). A lei de diretrizes e bases da educação, de 1996, inclui o EJA como modalidade de ensino nos currículos, mas os investimentos não são tão expressivos”, diz a coordenadora da organização Ação Educativa, Vera Masagão. Para ela, o segredo é saber explorar a vontade de aprender dos analfabetos. “São pessoas com pouca autoestima. É preciso entrar no mundo deles para atrai-los. Mas falta preparação para o professor e material didático consistente”, afirma. A alfabetizadora da rede municipal de ensino de Belo Horizonte, Roselene Ferreira, integrante da coordenação do EJA na Escola Municipal Deputado Milton Salles, acrescenta que o alfabetização deve ser vista como processo emancipatório. “Antes, o analfabeto era visto como incapaz. Hoje, é observado como um sujeito com amplo conhecimento que deve ser ampliado”, diz. A aluna Mônica Márcia, 39 anos, faz parte do grupo do colégio e vibra com os primeiros avanços. “Já sei escrever meu nome, mas ainda tenho de me esforçar.”