Brasília – O ministro Joaquim Barbosa, relator da Ação Penal 470 no Supremo Tribunal Federal (STF), considerou que o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu foi o mandante do esquema de compra de apoio político conhecido como mensalão. Para Barbosa, a culpa fica clara no contexto das provas reunidas durante o processo, como depoimentos de réus e testemunhas e a sequência dos fatos no tempo.
Barbosa ainda não votou formalmente pela condenação do ex-ministro por corrupção ativa, pois a sessão foi interrompida para intervalo. No entanto, o relator já disse que as provas mostram que Dirceu não só conhecia o publicitário Marcos Valério, como também orientava a atuação dele e do então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, na captação de verbas e oferecimento de vantagem indevida a partidos da base aliada ao governo entre 2003 e 2004.
“No conjunto probatório contextualizado na ação penal, os pagamentos efetuados por Delúbio e Valério a parlamentares com quem Dirceu tinha contato direto colocam o chefe da Casa Civil em posição central de organização e liderança da prática criminosa, como mandante da promessa de vantagem indevida que apoiasse votação de seu interesse”, disse o relator.
Segundo Barbosa, ficou provado que Dirceu “aparece nas duas pontas do esquema”, oferecendo promessa de vantagem indevida e permitindo pagamento a parlamentares que com ele se reuniam. “Entender que Valério e Delúbio agiram sozinhos, sem vontade de Dirceu, nesse contexto de reuniões fundamentais do ex-ministro, é, a meu ver, inadmissível”.
O relator descreveu que Dirceu, conforme ele próprio confirmou em depoimento, tinha papel fundamental na articulação com a base aliada para garantir maioria em votações importantes para o governo no Congresso Nacional. Enquanto a defesa alega que Dirceu se afastou da cúpula petista ao assumir o cargo no governo, Barbosa diz que as provas mostram o contrário.
“Embora o dinheiro tenha sido repassado para pessoas indicadas pelo tesoureiro [do PT, Delúbio Soares], não foi o presidente [do PT, José Genoíno] quem se reuniu com diretoria do Banco Rural e do BMG para essa finalidade. Foi José Dirceu quem se reuniu com essas pessoas antes da tomada de empréstimos”.
Barbosa ainda mostrou estranhamento com a proximidade entre Marcos Valério e José Dirceu, inicialmente negada, e confirmada apenas após depoimentos de testemunhas ligadas aos bancos Rural e BMG. De acordo com esses depoimentos, Valério era o interlocutor responsável por agendar reuniões com o então chefe da Casa Civil para tratar de assuntos de interesse das institutições financeiras, como a liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco, do qual o Rural era acionista.
O relator também mostrou elo temporal entre essas reuniões e a liberação de empréstimos ao grupo de Valério pelas instituições financeiras, que, somados, chegam a R$ 55 milhões. Segundo Barbosa, o STF concluiu que esse dinheiro foi usado para pagar parlamentares, e os repasses ocorreram justamente quando haveria votações importantes para o governo no segundo semestre de 2003, como as reformas tributária e previdenciária.
“O acervo probatório dos autos forma um grande mosaico no qual Dirceu é mostrado como negociador dos recursos e de compra de apoio político, que envolvia sua atuação na Casa Civil”, concluiu Barbosa.