Uma realidade que causa prejuízos aos cofres públicos e à sociedade é a participação dos chamados ‘piratas da licitação’ – empresas que não atuam em determinado setor, mas conseguem, com manobras jurídicas, participar e vencer os processos licitatórios, negociando depois a desistência no certame. Prática criminosa que está na mira no Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul (TCE-MS), conforme detalhou o presidente da Corte de Contas Jerson Domingos. Nesta semana, em entrevista a rádio CBN Campo Grande, emissora integrante do Grupo RCN, o presidente da Corte, Jerson Domingos, revelou como o Poder Público se organiza para combater esse crime contra os cofres públicos. O conselheiro também falou sobre o relatório do TCE-MS que apontou irregularidades nas contas da Prefeitura de Campo Grande e sobre o afastamento dos conselheiros, Iran Coelho das Neves, Waldir Neves e Ronaldo Chadid, acusados de corrupção.
Como está a situação do TCE após o afastamento dos três conselheiros?
Jerson Domingos: As vagas dos três colegas permanecem preenchidas pelos auditores que têm sua adesão ao Tribunal de Contas por concurso. São auditores substitutos de conselheiros. É uma função diferenciada. Então, hoje, o quadro do Tribunal dispõe de três auditores e eles substituem os três conselheiros afastados.
Isso abalou a imagem do TCE. O que tem sido feito para restabelecer?
Jerson Domingos: O Tribunal é muito maior do que um momento de investigação. Nós não podemos condenar os três colegas. Cabe ao Judiciário, à Justiça, avaliar e analisar se houve irregularidade ou não. Portanto, é um caso que não toca ao nosso Tribunal. Nós optamos por trazer os nossos jurisdicionados mais próximo do TCE e ofertar a eles a experiência dos nossos servidores, dos nossos conselheiros, para que o dinheiro público seja mais bem aplicado.
Quais medidas foram adotadas no combate à corrupção?
Jerson Domingos: A minha primeira medida foi o rompimento, a rescisão do contrato de prestação da empresa envolvida. É buscar praticidade e encaminhar aos nossos servidores, primeiro, uma tranquilidade e a certeza de que eles podem e devem continuar prestando seu serviço, não em decorrência de um fato desagradável. O Tribunal tem uma responsabilidade imensa com a sociedade sul-mato-grossense, e nós somos bem além disso. Temos uma preocupação quanto à questão da educação, da primeira infância, de 0 a 6 anos. Há uma recomendação do CNJ para o Tribunal de Justiça, que se estende ao Tribunal de Contas, por causa da relação do Tribunal de Contas com os jurisdicionados.
O TCE fez uma fiscalização recentemente nas escolas de vários municípios. O trabalho será permanente?
Jerson Domingos: Nós fiscalizamos 18 municípios, não todas as escolas, e isso nos trouxe uma preocupação muito grande. O que é ofertado às nossas crianças é deprimente. Nós encontramos rachadura nas paredes, que você consegue visualizar do outro lado da sala de aula. Nós encontramos na cozinha vazamentos no telhado, mofo contaminando a comida. Insalubre totalmente. Infelizmente, nós encontramos todos os tipos de irregularidades.
E como chegamos a esse ponto? O senhor acredita que falta fiscalização nos municípios?
Jerson Domingos: Eu acho que falta gestão. Eu acho que falta aquela preocupação maior dos professores da localidade, da associação de pais e mestres, tantas associações que nós temos que não levam ao conhecimento das autoridades o caos que se encontram nas estruturas físicas das escolas.
Além da questão da educação, temos também o problema da saúde. O que o Tribunal tem feito com relação à regularização de repasses de recursos aos hospitais, por exemplo? E isso é uma queixa frequente das intituições filantrópicas e Santas Casas.
Jerson Domingos: Hoje eu sou consciente de que a inspeção do Tribunal de Contas junto à Secretaria de Saúde é totalmente desnecessária. Por quê? O recurso chega até o Estado, SUS, enfim… Dali os convênios são celebrados e então são repassados os valores. Porém, quando chega lá na ponta os recursos estão sendo bem aplicados? [pausa] Eu acho que a inspeção tem que ser inversa, você vai à parte contábil e está tudo certo. Mas vamos lá na farmácia. Os medicamentos obrigatórios, a entrega, faltam medicamentos.
O problema começa na licitação?
Jerson Domingos: Aí tem um problema: os piratas das licitações. Abre-se uma licitação para compra de medicamento, que é altamente volumosa. Esses piratas, todos eles, muito bem estruturados na sua parte jurídica, na oferta, inscrevem-se à essa licitação com valores de mercado lá embaixo, ganham a licitação e não entregam mercadoria. Eles começam a negociar a desistência da licitação ganha em troca de alguma propina. Eu digo que isso é caso de cadeia.
O senhor já encontrou casos assim no Estado?
Jerson Domingos: Temos casos desta forma. Eu já pedi à todos os prefeitos que, por favor, passem o nome dessas empresas, o seu histórico, CNPJ, inscrição. E comunique ao Tribunal de Contas. Se nós fizermos um levantamento, um bom estudo, em parceria com o Ministério Público, a gente poderá ter uma ação para inibir essas empresas de participarem. Isso é um problema sério na área da saúde, na merenda escolar, nessas licitações amplas, nos uniformes. Teríamos de manter o contato com outro Estado vizinho, acionarmos a fiscalização do Tribunal e a ação do Ministério Público e verificar quantas vezes essa empresa participou de um processo licitatório e quantas vezes ela ganhou e quantas vezes ela entregou aquilo que vendeu.
Vamos falar sobre as contas da Prefeitura de Campo Grande, sobre a chamada ‘folha secreta’. Esse dinheiro, se comprovado o mau uso, ele deveria voltar aos cofres públicos?
Jerson Domingos: São várias penalizações. O ressarcimento dos cofres públicos, multas, o gestor pode ficar inelegível por improbidade. Então, o Tribunal tem aplicado, sim, muitas decisões nesse sentido, do ressarcimento que nós chamamos de impugnação. Nós temos aí uma situação hoje, em Campo Grande, um ex-prefeito e a atual prefeita. A atual prefeita tem procurado o Tribunal para tentar com que nós possamos auxiliá-la em resolver essa situação. E é uma situação que não se resume simplesmente em uma caneta, uma decisão, e se demite meia dúzia de pessoas. É mais complexo que isso.
A Prefeitura de Campo Grande solicitou prazo maior para responder o relatório. A gestão anterior fez esse pedido também?
Jerson Domingos: Não, não houve nenhuma manifestação nesse sentido. Até porque o prefeito anterior não foi notificado, sobre as possíveis irregularidades[…] A autonomia é do conselheiro relator. Com brevidade será notificado, para que ele preste esclarecimentos da forma e da maneira de realmente confirmar a primeira impressão de irregularidade quanto aos gastos com o pessoal da Prefeitura de Campo Grande.