Após denúncia sobre a chamada 'folha secreta' da Prefeitura de Campo Grande, num montante de quase meio bilhão de reais ao ano, apresentada em entrevista ao Jornal CBN Campo Grande em 15 de fevereiro deste ano, pelo advogado da área do Direito Sindical Marcio Almeida, o Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul (TCE-MS) investigou o caso e trouxe à tona divergências entre os gastos com pessoal e as despesas apresentadas na prestação de contas.
Assista abaixo o que disse o advogado, nesta quarta-feira (5), após a divulgação do resultado da inspeção do TCE-MS.
O relatório de inspeção do TCE-MS
Em quase 100 páginas, o relatório da Divisão de Fiscalização de Atos de Pessoal e Previdência do TCE-MS aponta, entre as irregularidades encontradas no exercício de 2022, ‘achados’ como o elevado número de servidores contratados temporariamente; pagamento de gratificações em desacordo com a lei; vantagens remuneratórias que necessitam de esclarecimentos; incompatibilidade de recebimento de gratificações por encargo especiais por servidores contratados por tempo determinado e dedicação exclusiva; aumento substancial da remuneração de determinados servidores pelo pagamento de jetons; entre outros.
Somente com o pagamento de 'Jetons', foram identificados 371 servidores da Prefeitura de Campo Grande que receberam o montante R$ 9,388 milhões no ano passado pela participação em órgão de deliberação coletiva. Alguns servidores chegaram a receber, além dos salários mensais, mais de R$120 mil ao longo do ano com o pagamento de Jetons.
Já a 'Gratificação por Encargos Especiais', outro benefício previsto para os servidores públicos, somou quase 30 milhões de reais (R$ 29.375.216,64) na folha de pagamento de 1.137 servidores no ano passado. Nesse grupo foram identificados 14 servidores nomeados sem concurso público que tiveram os maiores recebimentos dessa gratificação. Os valores anuais recebidos variaram entre R$ 126 mil e R$ 196,5 mil para cada servidor, além do salário previsto para a função.
O documento do Tribunal de Contas destaca que "não se desconhece ou se questiona a legalidade pelo pagamento da Jeton e
da gratificação por encargos especiais pelo ente, mas o fato de proporcionar a um quantitativo mínimo servidores, principalmente os ocupantes de cargos em comissão, o recebimento dessas vantagens salariais em patamares elevados, inclusive acumulando os dois benefícios".
Os técnicos também questionaram a contratação dos servidores beneficiados tais benefícios. "Tais fatos levam a presunção de ter existido excessiva discricionariedade na escolha dos servidores cuja remunerações foram infladas com as mencionadas gratificações, eis que a seleção desses agentes pode ter ocorrido imotivadamente ou motivada por critérios alheios ao interesse público, na medida em que não vislumbrado critérios desprovidos de objetividade, imparcialidade, igualdade e impessoalidade para a concessão desses benefícios", destaca o relatório.
A despesa total com o pagamento de servidores públicos no município chegou à marca histórica de R$ 2,59 bilhões em 2022. Esse montante representa 57,02% da Receita Corrente Líquida (RCL), ou seja mais da metade de tudo o que é arrecadado pela Prefeitura da Capital, superando o limite prudencial de 54% determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Na fiscalização ao Portal da Transparência, o relatório concluiu que a Prefeitura de Campo Grande não cumpre os requisitos legais."A indicação da remuneração nominal de cada servidor não segue um padrão de divulgação e/ou não apresenta o total da remuneração do servidor de forma clara e detalhada, inclusive não constando algumas verbas remuneratórias, prejudicando o principal objetivo do Portal da Transparência", destaca.
Documentos alterados
O relatório técnico também idenficou que as folhas de pagamento encaminhadas eletronicamente ao TCE-MS no ano de 2022
não condiziam com as informações levantadas durante a inspeção na Prefeitura de Campo Grande. "Durante a análise da documentação das folhas de pagamento apresentadas pela Prefeitura de Campo Grande e os arquivos remetidos a este Tribunal de Contas, verifica-se que houve alteração dos dados das folhas de pagamentos de 2022, dos meses de janeiro a setembro".
Diante da suspeita de fraude, os técnicos selecionaram os meses de janeiro, abril e agosto de 2022 para a comparação e confronto das informações. Os dados enviados eletronicamente pela Prefeitura foram checados com os dados extraídos na sede do executivo municipal durante a fiscalização.
"O resultado encontrado demonstra que os quantitativos de vínculos e valores das folhas de pagamentos encaminhadas ao TCE/MS não condizem com a realidade encontrada no órgão, divergindo dos levantados no ente, como se demonstra abaixo"
O Relatório técnico ainda detalha outras irregularidades financeiras ligadas à folha de pagamento dos servidores, como o elevado volume de contratação temporária de pessoal, que atingiu 61%, na média mensal, proporcionalmente ao total de efetivos do município no último ano.
A prefeita Adriane Lopes tem 20 dias para responder aos questionamentos dos técnicos do TCE-MS. À nossa reportagem, a assessoria de comunicação da Prefeitura de Campo Grande se limitou a dizer que "ainda não foi notificada" pelo Tribunal de Contas.