Anunciada como uma resposta à crise institucional do Senado, a proposta de reforma administrativa pode criar novos gastos para a estrutura da Casa. O texto, encaminhado à Primeira Secretaria e à Fundação Getúlio Vargas (FGV), recebeu sugestões adicionais não só de senadores, exclusividade prevista no regimento interno, mas também do diretor da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secs), Fernando César Mesquita.
A intervenção do diretor, indicado pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), é simples: aumentar de 65 para 119 as funções comissionadas na estrutura da secretaria, ou seja, ampliar o número de gratificações.
A criação das funções, que elevam os salários dos servidores, contraria o que a FGV havia orientado na primeira leva de sugestões de reforma administrativa, em trabalho encomendado pela própria Presidência do Senado: redução de despesas por meio, por exemplo, do enxugamento de diretorias (seriam apenas sete, em vez das 181 em funcionamento à época).
Ampliação na estrutura
Atualmente, o Regulamento Administrativo do Senado Federal prevê a seguinte estrutura de cargos, além da diretoria: um diretor-adjunto; três chefes de departamento; três assessores técnicos; um chefe de gabinete administrativo; dez coordenadores; e 46 chefes de serviço. De acordo com a “emenda” de Fernando, seriam criados mais quatro cargos de chefe de departamento; mais dois assessores técnicos; mais sete coordenadores; e outros 22 de chefes de serviço. Além disso, o diretor da Secs sugere a criação de 19 “encarregados de turno”. As remunerações variam de acordo com as novas funções – 54 ao todo.
Mais de 400 servidores compõem a atual estrutura de comunicação do Senado, sem contar os assessores de imprensa que trabalham nos gabinetes e nas comissões. Desse total, metade é concursada. O restante é formado por terceirizados ou comissionados.
Para driblar restrições regimentais, a autoria da proposta pode vir a ser conferida a um dos 81 senadores, a quem cabe as intervenções no regimento interno. Neste caso, por meio de projeto de resolução a ser referendado pelo plenário. A reportagem tentou contato por telefone com o diretor da Secs, mas ele está em viagem desde a última sexta-feira (27) e não atendeu às ligações.
“Proposta anômala”
As razões para o aumento da Secs foram defendidas no relatório “Os riscos da proposta da Fundação Getúlio Vargas”, datado de 11 de novembro e assinado pelo próprio Fernando Mesquita. Em tom alarmista, o subtítulo diz: “Se o projeto não for alterado, a Comunicação do Senado pode sair do ar”. Fernando diz que a proposta, “anômala, inadequada e reducionista”, deve passar por “ajustes fundamentais”.
“Ao propor uma estrutura anômala e inadequada ao cumprimento das atribuições estabelecidas para as várias unidades da Secretaria Especial de Comunicação Social, a proposta, ora em estudo, pode provocar o colapso nas atividades de comunicação da Casa, se não passar por ajustes fundamentais. (…) Reducionista, a proposta demonstra desconhecimento a respeito da organização complexa do trabalho de comunicação. Ao propor o enxugamento da estrutura, compromete sensivelmente a operação técnica da TV e Rádio Senado com a união das duas áreas técnicas”, diz trecho do documento de 12 páginas obtido pelo Congresso em Foco, material distribuído apenas a determinados gabinetes.
O jornalista Fernando Cesar Mesquita assumiu a Secretaria de Comunicação do Senado em agosto por indicação de José Sarney. Ele havia ocupado o cargo nos dois primeiros mandatos de Sarney na Presidência do Senado e, também, na administração de Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA). “Minha intenção é fazer a transição da estrutura atual para uma outra, proposta pela Fundação Getúlio Vargas”, afirmou Mesquita ao Congresso em Foco na véspera de assumir. “Vou trabalhar com isenção, com transparência e sem conceder privilégios”, assegurou.
Velho amigo do presidente do Senado, o jornalista foi porta-voz de Sarney na Presidência da República. Na primeira passagem pela cúpula do Senado, foi o autor do projeto de implantação da atual secretaria.
Emendas secretas
“Isso é mais que uma inconstitucionalidade, é uma barbaridade”, disse um assessor técnico, que pediu pra não ser identificado. Segundo ele, além de receber apenas sugestões de senadores, a proposta deveria de ter sido protocolada na Mesa Diretora, onde ficaria por cinco dias à espera de sugestões adicionais. Só então seria submetida à votação em plenário e, em caso de aprovação, publicada nos canais oficiais do Senado (Boletim Administrativo Interno, Diário Oficial do Senado, Portal da Transparência etc). “Existem emendas secretas”, completa.
Segundo um servidor de carreira do Senado ouvido pelo Congresso em Foco, não existe no regimento interno a “figura jurídica” da consulta aos senadores para operar alterações na estrutura administrativa. “Eles poderiam emendar um projeto de resolução, segundo seus trâmites regimentais, que depois iria ao plenário”, observou.
De acordo com o técnico, a sugestão apresentada pelo diretor da Secs foi articulada com os próprios jornalistas do quadro institucional, com direito a intensa pressão dos profissionais da comunicação junto aos senadores. “Os jornalistas estão fazendo o maior lobby, porque todos vão ganhar gratificação. Eles foram de gabinete em gabinete [pedir apoio à ampliação da secretaria]”, afirmou o servidor, para quem a Mesa Diretora quer ignorar as normas previstas no regimento para impor a reforma que mais lhe convém.
“Tudo leva a crer que a Mesa está tentando usar um artifício para atropelar o regimento, que no seu artigo 403 dá um rito especial para a tramitação de propostas relativas à reformulação administrativa por meio do regimento interno”, concluiu o técnico, lembrando que não há informações sobre o andamento das sugestões parlamentares, nem ao menos quantas foram apresentadas. Ou se foram formalizadas em protocolo.
“A gente liga [na Presidência do Senado] e eles não sabem informar. Existem emendas secretas”, alfinetou o servidor, que relata ainda a rejeição prévia, sem encaminhamento à discussão em plenário, de emendas apresentadas por senadores. No entanto, ele considera a hipótese de que novas sugestões sejam aceitas, por meio de intervenções diretas no texto apresentado por Sarney. “Vamos testar a boa vontade da Mesa.”