O palhaço Tiririca vai chegar à Câmara como o deputado federal mais votado do Brasil em 2010: foram 1.351.592 votos, ou 6,35% do eleitorado paulista. Por trás desta votação recorde estão dois fenômenos típicos da vida política brasileira: o voto escolhido como forma de protesto ou como demonstração de desinteresse, e o oportunismo dos partidos, que lançam nomes populares para guindar votos para a legenda se beneficiando do princípio da proporcionalidade, previsto na lei eleitoral.
No caso da eleição de Tiririca, os dois fenômenos foram explorados pelo PR, que apostou em nomes de famosos para aumentar suas chances de eleger um número maior de deputados federais. E deu certo: junto com Tiririca, o PR vai levar mais quatro deputados para Brasília – deputados que não seriam eleitos se não fosse pelo quociente eleitoral elevado que a legenda conseguiu graças ao palhaço. A estratégia foi inspirada no sucesso do costureiro Clodovil Hernandez (morto em 2009), que foi o deputado federal mais votado do Brasil em 2006.
Tiririca, ou Francisco Everardo Oliveira da Silva, tem 45 anos, é cearense de Itapipoca, e nasceu em uma família pobre, que catou lixo para sobreviver. Teve de começar a trabalhar aos oitos anos e não se sabe ao certo por quanto tempo frequentou a escola. Daí a suspeita de que seja analfabeto. O Ministério Público de São Paulo ofereceu denúncia contra ele por causa da suspeita de que não saiba ler nem escrever e de que tenha mentido na declaração de bens. Mas o juiz eleitoral não aceitou a denúncia.
A carreira artística de Tiririca começou em circos e o primeiro CD foi lançado graças à ajuda de amigos. Virou sucesso por causa da música “Florentina”, que tocou nas rádios populares. Já na gravadora Sony, vendeu mais de 1,5 milhão de CDs e passou a aparecer em programas de auditório da tevê.
Ao longo do mês de setembro, Tiririca subiu nas pesquisas eleitorais e a votação recorde de ontem se tornou previsível. O Brasil inteiro passou a prestar atenção nele, mas a estratégia de campanha não mudou. No corpo a corpo com os eleitores, ele distribuía um gibi em que cada proposta era acompanhada por uma piada. Por exemplo, na página que leva o texto “os idosos, que tanto trabalharam pelo Brasil, não foram esquecidos por Tiririca”, o humorista aparece abraçado a um casal de velhinhos e afirma, em um balão: “Essa véia ainda dá um caldo”.
A seguir, outro texto diz que Tiririca “vai lutar por todos: homens, mulheres e gays”. Ao lado de um homem, uma mulher e um rapaz que supostamente é gay, ele aparece próximo deste último usando um de seus bordões: “Menino lindo!”. “Pra deputado, vote no abestado”, diz um dos textos.
Em São Paulo, Tiririca foi dos candidatos que mais arrecadou verba para a campanha, segundo dados do Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Foram R$ 593,9 mil, praticamente tudo bancado pelo partido. O cantor Aguinaldo Timóteo, que também concorria a uma vaga em Brasília pelo PR, declarou ter recebido R$ 184 mil.
A estratégia de atrair votos para a legenda se beneficiando da proporcionalidade, princípio previsto na lei eleitoral, é muito criticada por transformar em integrantes do Congresso candidatos com desempenhos pífios nas urnas. Segundo este princípio, o número de vagas de cada partido é definido por uma equação que leva em conta a soma dos votos dos candidatos e suas legendas dividido pelo número de vagas a que cada estado tem direito.
Tiririca corre o risco de ter seu mandato impugnado caso a Justiça Eleitoral acate a denúncia realizada pelo promotor Maurício Antonio Ribeiro Lopes na semana passada. Ele alega que o comediante cometeu fraude ao declarar, em entrevista à revista Veja, que seus bens estavam em nome de terceiros para se livrar de problemas com a ex-mulher. Lopes entrou com o pedido de quebra de sigilo fiscal e bancário do comediante.
Se ele for condenado, perderá o mandato. Ironicamente, os deputados que arrastar com ele em razão do quociente eleitoral terão o mandato garantido, independentemente da conclusão da Justiça.