O advogado André Borges, especialista em Direito Constitucional e ex-conselheiro da OAB-MS, foi enfático ao se posicionar sobre a decisão, nessa quarta-feira (29), do Supremo Tribunal Federal (STF) que permite a responsabilização de veículos de imprensa pela publicação de entrevistas nas quais sejam imputados falsamente crimes contra terceiros.
"Eu discordo dessa decisão do Supremo porque a Constituição da República no artigo 20 diz que os órgãos de imprensa não sofrerão qualquer restrição. O artigo vai além e diz que não é admitida qualquer espécie de censura pública", disse Borges que já foi presidente da Comissão de Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MS), atuando como secretário-geral da Escola Superior de Advocacia.
A decisão do STF veda a censura prévia, mas, no entendimento dos ministros, se um entrevistado acusar falsamente outra pessoa, a imprensa poderá ser responsabilizada judicialmente.
"Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se na época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação, e o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios", decidiu o Supremo ao aprovar uma tese jurídica, elaborada pelo ministro Alexandre de Moraes.
A tese de Moraes recebeu mudanças propostas pelos ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin e também abre brecha para a retirada de conteúdos publicados nas redes sociais que forem considerados inverídicos.
Outro trecho provado, define que o princípio constitucional da liberdade de imprensa impede a censura prévia de conteúdos publicados. No entanto, após a publicação, fica admitida a possibilidade de retirada de conteúdos que contenham informações comprovadamente "injuriosas, difamantes, caluniosas e mentirosas".
A sugestão de inclusão da possibilidade da retirada de conteúdo foi levantada pelo ministro Cristiano Zanin. "A clássica questão da liberdade de imprensa, abuso eventual e excepcional, era em relação a jornais e periódicos. Então, depois de publicados, a responsabilização acabava porque o jornal era daquele dia. Hoje, com as redes sociais, nós vimos isso nas eleições, aquele conteúdo continua", afirmou Moraes.
Nesse sentido, o texto aprovado no STF diz que "a plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização".
O advogado André Borges contesta a decisão e afirma que cabe recurso contra a decisão do STF, chamado de "embargos de declaração", para que o Supremo esclareça melhor a decisão ou reduza seu âmbito de aplicação.
"Essa decisão impõe aos órgãos de imprensa um ônus muito pesado de realizarem, ao mesmo tempo em que a entrevista está sendo divulgada, uma espécie de auto-censura, bloqueando e deixando de divulgar entrevistas que possam conter difamações, injúrias ou calúnias. Não é assim que deve ser decidido. Posteriormente à divulgação da entrevista, aquele que realizou o ato ilícito, o entrevistado, e somente o entrevistado, é que deve ser responsabilizado. Pelo menos era assim, até essa infeliz decisão do Supremo Tribunal Federal", concluiu Borges.
Entenda o caso
A decisão do Supremo foi baseada em ação na qual o ex-deputado federal Ricardo Zarattini Filho processou o jornal Diário de Pernambuco por danos morais, em função de uma reportagem publicada em 1995. Na matéria jornalística, o político pernambucano Wandenkolk Wanderley afirmou que Zarattini, morto em 2017, foi responsável pelo atentado a bomba no aeroporto de Recife, em 1966, durante a ditadura militar.
Ao recorrer à Justiça, a defesa de Ricardo Zarattini disse que Wandenkolk fez acusações falsas e a divulgação da entrevista gerou grave dano à sua honra. Segundo ele, o jornal reproduziu afirmação falsa contra ele e o apresentou à opinião pública como criminoso.
O Diário de Pernambuco alegou no processo que a publicação da entrevista se deu no âmbito da liberdade de imprensa, protegida pela Constituição.
O jornal foi condenado pela primeira instância ao pagamento de indenização de R$ 700 mil. Em seguida, o Tribunal de Justiça de Pernambuco anulou a condenação do jornal e entendeu que o periódico apenas reproduziu as falas de Wandenkolk Wanderley e não fez qualquer acusação a Zarattini.
Posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) revalidou a condenação, e o caso foi parar no Supremo, que manteve a condenação do jornal ao entender que a publicação atuou com negligência sem, ao menos, ouvir Zarattini.
A análise do caso foi finalizada em agosto no Plenário Virtual. A tese, no entanto, estava pendente, porque embora a maioria dos ministros tenha entendido pela possibilidade de responsabilização, havia divergência sobre quais circunstâncias permitiam a condenação.
Ficaram vencidos os votos do relator original, ministro Marco Aurélio (aposentado), e a ministra Rosa Weber (aposentada). Eles consideraram na época que, se a empresa jornalística não emitir opinião sobre a acusação falsa, não deve estar sujeita ao pagamento de indenização.
Agora, esses novos critérios serão aplicados a pelo menos 119 casos semelhantes que aguardavam a definição do Supremo.
*Com informações da Agência Brasil e Conjur