Aos 74 anos, cabelos brancos à mostra, Betty Faria diz adorar a companhia dos netos. Desbocada como nunca, ela continua falando tudo o que pensa, mas agora se protege com mantras.
Quando Betty Faria entrou no hall do hotel onde foi marcada esta entrevista, na avenida Atlântica, zona sul do Rio, eu me aproximei e disse com animação: “E aí, Betty, tudo bem?”. Ela respondeu: “Por que você está rindo?”. Expliquei que estava tentando ser receptivo. Ela seguiu: “Onde vai ser a entrevista? Aqui?? Você vai gravar, né? Só posso ficar até as 15h30 (Eram 13hs)”. Vestindo calça e camisa brancas, cabelos grisalhos nas laterais, Betty Faria parecia determinada: “E as fotos? Onde vocês vão fazer?”. Eu: “Ainda não decidimos. Ou em uma suíte, ou na piscina”. Betty: “Você não sabe ainda? Cadê o fotógrafo? Na piscina eu não faço, tá ventando muito”. Percebi que o instante pedia cautela. Disse: “Ok, pode ser na suíte”. Ela: “Então, vamos. Eu não estou acostumada a esperar”. Subimos. Só então, já no quarto, a estrela de 74 anos sossegou:
“Ai, gente, que maravilha, era tudo o que eu precisava”, disse ela, dramaticamente, ao deparar com as bandejas com finger food que o hotel disponibilizou para a equipe. Francesca, a funcionária encarregada de nos receber, perguntou se Betty aceitava um omelete. Ela respondeu em tom de confidência: “Sabe o que eu prefiro? Ovos mexidos (risos)”. Aproveitei o lampejo de satisfação da entrevistada para abordar o tema alimentação. “Não faço dieta, mas procuro comer coisas saudáveis, verduras selecionadas, legumes no vapor. Sempre tive implicância de comer bicho morto.” Fuma? “Três cigarros por dia, depois das 18h. Não quero me privar dos meus prazeres. Detesto essa coisa radical, moralizante.” Afirma, porém, que não é dependente. Conta que em julho passou 15 dias com duas netas em Nova York e não fumou um cigarro. Uma das netas é filha de Alexandra, que Betty teve com o ator Cláudio Marzo. A outra, gêmea de um garoto, é filha de João Daniel, do casamento com Daniel Filho. João é produtor, Alexandra é atriz – mas deixou a profissão.
REJEIÇÃO A GORDAS
Betty adora os netos. Os quatro, contando com mais um menino de João, passam temporadas em sua casa, viajam com a avó e estão sempre na praia com ela. Fotografada de biquíni em um desses mergulhos, a atriz foi atacada por uma onda de internautas conservadores que a chamaram, entre outras coisas, de velha baranga. Embora tenha respondido na época (“Querem o quê, que eu ande de burca?”), ela agora afirma que “todo mundo tem o direito de falar o que quiser”. “Eu, por exemplo, não gosto de mulheres gordas. Elas me incomodam profundamente. Tenho repulsa, rejeição. Sempre batalhei para não ser uma velha gorda. Jamais compraria um quadro do Botero (pintor colombiano figurativista consagrado por pintar homens e mulheres roliços).” Enquanto finaliza os 12 sanduichinhos deixados pelo pessoal de Francesca (nos sabores brie com geleia de damasco; blanquet de peru com cream cheese e salmão com rúcula); e os oito pastéis de Belém, ela sofre uma espécie de acesso de incorreção política. E continua seu discurso: “É que nem cabelo rastafári. Aquilo é um horror. A pessoa cai no mar e não lava, fica um cheiro terrível. Agora, me diz: por que eu tenho de ser boazinha com a gorda e o cabeludo rastafári?”.
Betty Faria começou a carreira dançando em clubes noturnos, mas ficou de fato famosa quando enveredou para a TV e o cinema. Espécie de Paolla Oliveira de seu tempo, ela fazia uma novela atrás da outra, saía nas capas de todas as revistas e chegou a ganhar um programa com seu nome no horário nobre. Desbocada, libertária, avançada para a época, Betty era considerada um símbolo sexual e foi a primeira protagonista da televisão a posar para a Playboy, em 1978. No auge do sucesso, quando fazia a novela Duas Vidas (1976), provocou um escândalo ao deixar o diretor Daniel Filho para ficar com o ator Mário Gomes, galã 12 anos mais jovem que ela. (Sempre que tem oportunidade, Gomes, hoje com 62, afirma que sofreu assédio moral de Daniel Filho durante mais de 30 anos.) Paralelamente, Betty Faria trabalhou com os mais festejados diretores do cinema nacional. Entre os filmes premiados dela estão “A Estrela Sobe”, 1974, “Bye Bye Brasil”, 1979, e “Romance da Empregada”, 1988.
MULHER DE TELEVISÃO
Agora que as aparições de Betty nas novelas diminuíram, ela tem tido mais tempo para assistir a TV como telespectadora. Diz que vê “tudo”. “Sou uma mulher de televisão. Conheço profundamente meu ofício, não só como atriz. Presto atenção em cenário, figurino, iluminação, direção, casting. Não tem nada que escape.” Seu último papel foi na novela das 6 “Boogie Oogie”, como Madalena, exibida em 2014. Diz que lidou com ótimos colegas no elenco, cita várias vezes Marco Ricca, mas conta que havia “uma colega insuportavelmente chata, que não chegava com o texto decorado”. “Não tinha troca, bate-bola. Eu sou muito disciplinada, estudo a cena, e saio bem antes de casa para não me atrasar. Eu consigo chegar na hora no Projac, que é na casa do cacete à direita…”
Embora acompanhe o noticiário político e se sinta, como boa parte dos brasileiros, horrorizada com o que lê, ela vê um ponto positivo na atual crise: “Toda a putaria que sempre existiu no Brasil está vindo à tona. A gente sabia que o Collor mandou matar o PC Farias, mas agora o povo passou a ter consciência da sacanagem. É um caminho sem volta. O futebol ficou uma merda, a escola de samba tá pedindo patrocínio lá fora, não tem mais jeitinho brasileiro”. Ela diz que não acredita na pacificação das favelas no Rio enquanto houver tráfico. É a favor da legalização da maconha e da cocaína. “Há mais de 20 anos, em uma entrevista à Playboy, eu já dizia que era a favor da liberação dessa porra. Eu tinha amigos que trabalhavam com delivery de droga! Tem de educar o povo, é tudo o que ele mais precisa”, acredita. Seguidora da filosofia budista, ela conta que foi salva por um mantra em um assalto em São Conrado (“eu vinha desde o BarraShopping repetindo ‘nam myoho renge kyo”). “Eram sete da noite no túnel da Rocinha, trânsito fodão, dois caras se aproximaram do meu carro de moto e quebraram o vidro do acompanhante. Pensei: ‘Vou morrer’. Aí fez aquele silêncio do caralho, eu vi que não tinha morrido. Mas levaram minha bolsa, documentos, capítulos de novela. É o fim (debochada): neguinho da Rocinha levar minha Coco Chanel!” Traumatizada, ela diz que mandou blindar o carro novo.
CHEZ MOI
Ultimamente, Betty fez bastante teatro, foi aplaudida, recebeu críticas positivas, mas ao mesmo tempo diz ter colocado em xeque sua vocação artística: “Aquela história de sair de casa para dizer as mesmas coisas todos os dias, viver as mesmas situações, ah, não, não dá. Fazer espetáculo no domingo era um desespero. Como diz o francês, je ne sors pas beaucoup de chez moi.” O espetáculo mais recente dela foi “A Atriz”, produzido pelo empresário Marcus Montenegro: “Ele é muito querido, me chamou para apagar um incêndio, fui na hora”, conta ela. “Além de grande atriz, Betty é inteligente, versátil, generosa, ótima companheira”, elogia Montenegro.
A saúde vai bem, diz Betty, salvo alguns problemas crônicos: “Meu joelho virou um personagem. As pessoas perguntam: ‘Como vai o João, como vão as crianças, como vai o seu joelho?”. Pergunto se ela pretende manter os cabelos brancos que crescem nas têmporas, ela diz que sim. “Quero viver isso. Ver com que cara eu fico grisalha.” Passava das 15h30, o tempo estipulado para a entrevista havia estourado, mas a atriz não reclamou. A fotógrafa a chamou para testar a luz, ela foi até a varanda, comentou a ressaca do mar. Betty agora estava pronta para o close up. “Vamos fazer umas na piscina?”, sugeriu. Então, tá.