Dados de um dos principais bancos de registros de estudos clínicos no mundo, com sede nos Estados Unidos, apontam que a maior parte das pesquisas no Brasil têm como alvo o câncer – com liderança para o de mama -, diabete, doenças do aparelho circulatório e estudos sobre HIV e aids. Juntos, concentram ao menos 25% dos trabalhos.
De 1.613 estudos clínicos (com seres humanos) no País registrados no banco de dados Clinical Trials , mantido pelo governo norte-americano, um terço ainda está recrutando pacientes. Apenas um estudo sobre dengue está registrado.
A maioria dos trabalhos é financiada pela indústria farmacêutica e trata de novas drogas. E são mais frequentes os estudos fases 3 e 4 – realizados quando o remédio está pronto, para verificação de eventos adversos e ambientação de drogas em novos mercados, e que recrutam um grande número de pacientes em diversos países.
Para especialistas, o perfil confirma a transição epidemiológica do Brasil – mais idosos e mais doenças crônicas e menos doenças infecciosas ligadas às más condições de vida -, além do interesse da indústria por áreas que dão mais lucro. E, ao mesmo tempo, também aponta para a necessidade de rediscutir a regulamentação, controle e incentivos para os estudos que visem a melhoria da saúde da população e avanço científico brasileiro.
O Ministério da Saúde, porém, promete alavancar a pesquisa no País (mais informações nesta página). "O Brasil ainda está na lanterna porque criou um sistema inadequado para pesquisa. Nos EUA há cerca de 50 mil estudos registrados", afirma Charles Schmidt, vice-presidente da Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisa Clínica, que reúne empresas que realizam estudos.
Dirceu Greco, professor de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais, avalia que o sistema de aprovação de pesquisas garantiu uma blindagem contra abusos de pacientes em estudos no País. Mas vê, no perfil de trabalho feito aqui e no tipo de estudo mais frequente (fases 3 e 4), um indicador da necessidade de reavaliar os incentivos.
"A ideia é mudar o paradigma. Aqui se faz pouca pesquisa e muitos ensaios, projetos que não agregam valor ao País. Não faz diferença fazer um estudo desses aqui ou no Peru", diz Greco, que ajuda a coordenar uma rede nacional de pesquisas clínicas criada pelo ministério. Em trabalhos fases 3 e 4, os pesquisadores não participam do desenho do estudo, de análises mais sofisticadas de moléculas, o que ocorreria se participassem desde os primeiros passos da pesquisa.
"O perfil revela uma tendência mundial da indústria, que busca remédios para o mercado, oncologia, coisas para o envelhecimento. É muito importante, mas somos carentes de estudos para dengue, malária, em que a indústria não vai trabalhar, ela não é entidade beneficente", diz Schmidt.