O Ministério da Saúde acredita que a partir deste ano o país começará a reverter a dependência de fornecimento externo de medicamentos e farmacoquímicos para a produção de remédios. A diminuição da dependência seria efeito da política de recriar um complexo industrial de saúde iniciada em 2008.
“Houve uma montagem da arquitetura. Este ano marca a implementação completa”, avalia o atual secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do ministério, Carlos Augusto Gadelha. “Eu tenho mencionado que o time entrou em campo”, diz ao descrever que a política tem como principal mecanismo o poder de compra de US$ 10 bilhões (ao ano) do Sistema Único de Saúde (SUS). “Já estamos usando US$ 4 bilhões para induzir a produção de vacinas e medicamentos”.
“A saúde está se oferecendo para ser a primeira área em que a gente vai usar o poder de compra para o desenvolvimento da indústria nacional”, acrescenta o secretário. Ele estima que as compras do Ministério da Saúde equivalem a um terço de que é gasto em medicamentos no país (sem incluir os gastos diretos dos hospitais e as compras particulares). Além de remédios, Gadelha informa que o poder de compra será usado na aquisição de equipamentos e materiais hospitalares (cerca de US$ 5 bilhões).
Segundo o secretário, também foram firmadas 30 parcerias público-privadas entre empresas particulares e laboratórios públicos para a produção de medicamentos. Gadelha informa ainda que este ano será iniciada a produção de antirretrovirais (para tratamento do HIV/aids) e de imunossupressores (usados contra a rejeição de órgãos, por exemplo).
A professora e farmacêutica Suely Lins Galdino, da Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe), avalia que “a saúde no Brasil é importada”, mas se diz “otimista” com a diminuição da dependência externa. Ela pondera que o setor precisa de mais investimentos em formação de recursos humanos e em pesquisa, desenvolvimento e inovação para verticalizar a produção. Galdino é professora do curso de pós-graduação de inovação terapêutica, que está qualificando pessoas para trabalhar no Pólo Farmacoquímico e de Biotecnologia de Pernambuco, o primeiro do país.
Para Galdino, o país deve explorar novas fronteiras tecnológicas, como a produção das “drogas inteligentes” – como são chamados os medicamentos de base biológica, considerados mais eficazes porque atacam a causa da doença de forma seletiva, evitando os efeitos colaterais. De acordo com o o presidente da Sociedade Brasileira de Genética (SBG), o biólogo Carlos Menck, as drogas inteligentes serão testadas em pessoas daqui a dez anos.
Apesar do entusiasmo, Menck não crê que o país possa ter um papel significativo na produção do novo medicamento. “No Brasil, temos pouco desenvolvimento. Há uma pesquisa bastante razoável, mas basicamente feita nas universidades. O desenvolvimento nas empresas farmacêuticas infelizmente é muito pequeno”. Segundo ele, as empresas têm dificuldade por causa do chamado “custo Brasil” (falta de infraestrutura, burocracia, carga tributária, entre outros fatores).
“Por que a pesquisa só é feita nas universidades? Porque a competitividade é muito baixa. Pagamos três vezes do que é cobrado lá fora. Para competir, mesmo em nível acadêmico, tenho dificuldade. Para ter alguma coisa, levo de três a seis meses. Isso nos prejudica na academia e inviabiliza quando se pensa no processo produtivo”.
O primeiro vice-presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina (Abifina), Nélson Brasil, faz coro com Menck e assinala outras contradições na produção de fármacos. “O Brasil tem tudo que é necessário para se desenvolver: temos territórios, não temos problemas étnicos, temos biodiviserdade, temos clima, temos água; e, no entanto, nos encontramos em processo de desindustrialização”, lamenta.
De acordo com os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o Brasil importou no ano passado US$ 6,8 bilhões em produtos medicinais e farmacêuticos (segundo a Classificação Uniforme para o Comércio Internacional – Cuci), principalmente dos Estados Unidos, da Alemanha, Suíça, França e do Reino Unido. O déficit na balança comercial foi de US$ 5,5 bilhões.