Há quatro anos, Cláudio de Moura acordou durante a madrugada para ir ao banheiro, mas seus braços e pernas não obedeceram. Ele chamou a esposa, que teve dificuldade em acreditar no que via: de uma hora para outra, o marido parecia tetraplégico. O vizinho, que deu carona até o hospital, também não entendeu. Colocou Cláudio no banco de trás, e o corpo do jovem de 25 anos despencou.
Uma injeção de potássio trouxe de volta os movimentos, mas não impediu que a paralisia voltasse mais três vezes na mesma semana. O problema só foi resolvido quando o levaram para o um hospital universitário, onde a doença foi identificada. Tratava-se de paralisia súbita associada a hormônios em excesso lançados no sangue pela glândula tireoide, que fica no pescoço.
"Fiquei muito assustado. Pensei que havia perdido os movimentos do corpo. Tinham de me pegar no colo. Era tomar o potássio e eu voltava ao normal. Parecia mágica", conta o jovem, que é manobrista em São Paulo.
Gene descoberto
O problema, conhecido na área médica como Paralisia Periódica Hipocalêmica Tirotóxica (PPHT), atinge 1% dos homens que têm hipertireoidismo, mas até agora ninguém sabia por que alguns desenvolviam a doença e outros não. Uma pesquisa levada a cabo pela Unifesp, contudo, identificou os genes responsáveis e conseguiu mapear todo o processo que culmina nessa "tetraplegia periódica".
"São pessoas que têm alterações no canal de potássio da célula [que permite a entrada ou saída da substância química]. Conseguimos identificar que os pacientes com paralisia têm mutações nesse local", explica o endocrinologista Magnus Dias da Silva, responsável pela pesquisa.
Com a falta de potássio, os estímulos cerebrais que fazem os músculos se contraírem não conseguem chegar até os braços e pernas, e a pessoa perde os movimentos.
Doença desconhecida
Segundo o médico, a doença é rara e por isso não é levada em consideração na hora do diagnóstico, principalmente porque grande parte dos pacientes chega ao hospital depois que a crise passou. "O indivíduo é tachado como preguiçoso, histérico, psiquiátrico. Nos pacientes que acompanhamos, 70% deles tomavam remédio psiquiátrico", relata.
Foi justamente uma avaliação errada que despertou o interesse de Magnus pela doença. "Era um rapaz de 19 anos que apareceu no hospital em uma segunda-feira às cinco da manhã. Achei que ele queria um atestado para não trabalhar. Dei alta, e uma semana depois ele voltou em uma cadeira de rodas com a esposa."
Quando a noite acaba em pizza
A paralisia periódica acomete principalmente homens asiáticos, e a crise costuma ocorrer à noite, depois de uma grande ingestão de carboidratos. No Oriente, a comida vilã é o arroz. Aqui, o problema é a massa. "Trinta por cento dos pacientes que participaram da pesquisa tiveram crise depois de comer pizza em rodízio", conta o médico na Unifesp.
As pernas são os primeiros órgãos afetados pela paralisia. Dependendo do problema, os braços também perdem o movimento e o coração corre o risco de sair do ritmo. "O potássio, quando cai, pode causar arritmia. Isso pode ser uma causa de morte, até mesmo de morte súbita", explica Magnus.
Apesar de assustarem, as crises de paralisia desaparecem com o tratamento do hipertireoidismo. Foi o que ocorreu com Cláudio de Moura, que com dois comprimidos por dia regula a produção de hormônios e nunca mais precisou ser carregado ao hospital.