Um remédio contra alcoolismo pode evitar a recaída de viciados em heroína? Uma droga que acorda narcolépticos trata o vício em cocaína? Um antigo antidepressivo pode combater a metanfetamina?
Esse é o próximo desafio na luta contra o abuso de drogas: a compreensão sobre como a dependência se sobrepõe a outras doenças cerebrais está desencadeando uma caçada por tratamentos para um problema que podem tratar outros também.
A questão não é só bloquear temporariamente o efeito da droga em um viciado. Hoje, a meta é mudar os circuitos cerebrais que deixam os dependentes de substâncias tóxicas propensos à recaída.
"É uma forma diferente de olhar para as doenças mentais, incluindo transtornos do abuso de drogas", diz Nora Volkow, diretora do Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas, que, na segunda-feira (24), incitou os pesquisadores na reunião anual da Associação Americana de Psiquiatria a usarem mais a criatividade na busca por terapias para vício.
Em vez de um problema em uma única região do cérebro, os cientistas acreditam cada vez mais que as doenças psiquiátricas são um resultado da disfunção de circuitos espalhados por várias regiões, deixando-os incapazes de se comunicar adequadamente e de trabalhar juntos. Isso atrapalha, por exemplo, o equilíbrio entre impulsividade e autocontrole, crucial no tratamento da dependência.
Essas redes de circuitos sobrepostos explicam por que muitos transtornos mentais compartilham sintomas comuns, tais como problemas de humor. É também um motivo pelo qual os vícios -em nicotina, álcool e vários tipos de drogas lícitas ou ilícitas- muitas vezes caminham lado a lado com transtorno de estresse pós-traumático, depressão, esquizofrenia e outras doenças mentais.
"Pense como se o cérebro fosse uma orquestra; seus circuitos, violinos, piano e sopros, ligando e desligando de acordo com o maestro", disse Volkow. "Essa orquestra é interrompida na doença psiquiátrica", explicou. "Não existe uma doença psiquiátrica que possua um circuito particular."
Por isso, o NIDA (instituto nacional dos EUA para o abuso de drogas), pediu aos Institutos Nacionais de Saúde mais pesquisas sobre tratamentos que poderiam focar circuitos envolvidos com o controle cognitivo, melhor tomada de decisão e resistência aos impulsos.
A farmacêutica Alkermes pediu recentemente à Food and Drug Administration (agência que controla a venda de remédios e comida nos EUA) para aprovar o uso do naltrexone -que já foi vendido para o tratamento de alcoolismo- como tratamento de viciados em heroína e drogas afins, conhecidas como opiáceos.
Os cientistas sabem há muito tempo que os comprimidos de naltrexona podem bloquear os efeitos da heroína, mas eles duram apenas um dia. Por isso, se o viciado esquece de tomar uma dose, pode voltar às drogas. Estudos mostram que a versão mensal, denominada Vivitrol, pode ajudar a reduzir o uso de heroína a longo prazo.
Volkow aponta um estudo realizado na Rússia, que descobriu que doses de naltrexona reduzem os desejos por drogas ilícitas. Isso é importante, diz ela, porque o tratamento pode extinguir os circuitos da recompensa que ficam muito ativos no cérebro das pessoas condicionadas a continuar usando drogas e, assim, evitar uma recaída.
Estudos em hospitais americanos sugerem que o uso de modafinil, receitado para repelir os ataques súbitos de narcolepsia, também pode ajudar usuários de cocaína a ficarem sem a droga. O remédio age como um estimulante leve que reduz o desejo pela droga. Nos circuitos do cérebro, a cocaína provoca danos em redes envolvidas no raciocínio, pensar decisões e impulsos de superação.
Um antidepressivo antigo, a bupropiona, que já é usado em tratamentos para deixar de fumar, agora está sendo testado para a dependência de metanfetamina. Estudos em fase inicial sugerem que o remédio, de alguma forma, corta o "barato" da droga. Como o vício deixa o cérebro mais sensível e facilita o acionamento dos circuitos de humor negativos, a médica também quer combinar antidepressivos a outros remédios que combatem a adição.