Três Lagoas
?Crescimento econômico pautado na industrialização promove severos impactos sociais e ambientais?,
Na entrevista especial da semana, o Jornal do Povo conversa com a professora Edima Aranha, doutora em geografia da Universidade Federal de Mato Grasso do Sul (UFMS). Nesse bate papo, ela fala sobre o crescimento econômico pelo qual Três Lagoas atravessa, abordando os grandes problemas sociais enfrentados pelo município por conta desse crescimento.
Jornal do Povo – Quem é a professora Edima Aranha e há quanto tempo reside em Três Lagoas?
Edima -Sou graduada, Mestre e Doutora em Geografia – com ênfase em Geografia Urbana, Geografia das Indústrias e Geografia do Turismo. Eu nasci, me criei em Três Lagoas. Hoje, trabalho na UFMS – Campus de Três Lagoas, como professora Associada II. Atualmente ocupo o cargo, além da docência, pesquisadora e orientadora, de Coordenadora do Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Geografia. Também tenho uma função em uma Comissão Permanente (CTAA – Comissão Técnica de Acompanhamento e Avaliação) junto ao MEC em Brasília, com participação de dois dias na semana, uma vez ao mês.
Jornal do Povo -A senhora sempre tem colaborado com suas ideias em relação a várias questões da cidade.
Gostaria de saber primeiro, como analisa Três Lagoas, atualmente?
Edima- Três Lagoas vivencia hoje uma dinâmica econômica sem precedentes na sua história, por meio da formação do Parque Industrial que sedia indústrias de médio e grande porte. Este aporte industrial tem também atraído empreendimentos de pequeno porte no setor de serviços e comércio. Assim como atrai um grande fluxo de pessoas que vem em busca de trabalho, o que contribuiu para o aumento exacerbado do número de habitantes. Já estamos com cerca de 110 mil moradores (estimativa do IBGE, 2013). Esse dinamismo tem desdobramentos que se manifestam nas escalas sociais e ambientais.
JP – A senhora acha que o crescimento no qual Três Lagoas passou nos últimos anos foi importante para a cidade? Por quê?
Edima- Todo crescimento econômico é visto como importante para uma cidade e região. Assim como para Três Lagoas e toda região do Bolsão Sul-Mato-Grossense. Primeiro pelo aumento do PIB, pela geração de empregos> Segundo pelas oportunidades de negócios que oferece, dando visibilidade à cidade, projetando-a em escalas nacional e internacional.
JP- Quais os principais problemas enfrentados por Três Lagoas com esse crescimento?
Edima – Como disse, esse crescimento econômico pautado na industrialização promove severos impactos sociais e ambientais. Quanto aos impactos sociais não se pode analisá-los isoladamente e nem numa só perspectiva, posto que os mesmos estão imbricados com os de ordem econômica, como por exemplo a supervalorização da terra, seja rural ou urbana. Mas vou me ater à questão da terra urbana, não que seja mais importante, pois os problemas da cidade, muitas vezes têm a ver com o desfecho que se dá no campo.
A valorização do preço da terra beneficia aos proprietários de terra, loteadores e as grandes construtoras, que já estão atuando no mercado imobiliário local. Isso dificulta o acesso de grande parcela de pessoas, sob duas formas: 1) Concentração nas mãos de alguns e sua especulação, deixando-a em reserva para supervalorizar ainda mais, e colocá-la no mercado posteriormente. A terra se torna mercadoria e passa a ter valor de troca.
Basta ver o que ocorre com os loteamentos recém-criados, em que muitos compram vários lotes e não os edificam, aguardando um melhor momento para vendê-los com preços praticados muito acima do que foi comprado inicialmente. Isso parece simples, mas se pensar no contingente de pessoas que necessita adquirir um lote para edificar a sua casa e não consegue e, vai continuar vivendo em moradias alugadas, na melhor das hipóteses, ou nos fundos das casas da família, ou ainda numa mesma casa, via de regra, com área construída reduzida e de forma improvisada, onde vivem até três gerações – avós, filhos e netos. Essa situação dispensa mais comentários;
2) Expansão da periferia física e social da cidade com os loteamentos populares, via de regra com pouca infraestrutura e equipamentos urbanos e falta de serviços públicos básicos – escola infantil, serviço de saúde, espaços de lazer e recreação, comércio para abastecimento das famílias, escassez e custo elevado do serviço de transporte coletivo, dentre outros.
Outro aspecto altamente impactado em decorrência do crescimento se refere ao aumento do tráfego urbano e nas rodovias. Esse intenso fluxo de veículos como carros, caminhonetes, motos, além dos ciclistas e pedestres, redundam em sérios e gravíssimos acidentes com vítimas, que ficam incapacitadas para o trabalho temporariamente ou para sempre e/ou vítimas fatais. A maioria dessas vítimas é constituída por pessoas com faixa etária entre 20 e 45 anos, ou seja, compõem o PEA (População Economicamente Ativa), aptas para o trabalho. Fora isso, há uma sobrecarga enorme nos serviços de saúde emergenciais ou não, certamente, os custos destinados ao atendimento e tratamento de pessoas acidentadas aumentou muito. Eu não tenho essa pesquisa, mas desafio quem quer que seja a negar essa triste realidade. E de onde vêm os recursos financeiros? O atendimento tem sido efetivo e com qualidade? Há recursos humanos suficientes e capacitados para tal? Os profissionais da saúde que o diga, assim como os serviços de resgate – corpo de bombeiros e SAMU, principalmente. Além do serviço da polícia civil que presta atendimento e orientação no trânsito.
JP-E o que fazer para minimizar os impactos?
Edima- O que fazer para sanar ou minimizar tais impactos? É complexo e não é tão fácil, mas é necessário. Acredito que a Prefeitura tem competência e instrumentos normativos para regular o uso da terra, basta aplicar os princípios do Estatuto da Cidade (2001). Uma das medidas urgentes é a criação do Conselho Municipal da Cidade de forma regulamentada, que ajudará o poder executivo na gestão da cidade pautando-se no Plano Diretor. Outra medida de equacionar os problemas no trânsito passa pela fiscalização e orientação pelos agentes de trânsito, assim como pela educação no trânsito, iniciando desde a mais tenra idade escolar até os usuários dos diferentes meios de locomoção. De um modo geral agimos de modo irresponsável no trânsito, pensando que nossa má conduta não nos afetará e isso é grave, pois o mau condutor ou usuário das vias públicas pode provocar graves acidentes, seja pela condução com embriaguez, seja pela alta velocidade, quer dizer pela negligência e desobediência às normas de trânsito.
JP-A senhora acha que a administração municipal tem investido bem em Educação, infraestrutura e saúde? Por quê?
Edima- É notório que a cidade tem recebido investimento em educação, infraestrutura e saúde, mas não o suficiente para debelar os problemas que se avolumam cada dia mais na cidade. A população ouve falar que as empresas x e y investiram bilhões na cidade e daí se pergunta: onde está este investimento?. É claro que não é na cidade, mas sim no próprio empreendimento, com a aquisição de máquinas, turbinas, geradores, etc., quer dizer a cidade está mais densa de técnica, como dizemos na academia, o meio técnico científico e informacional qualifica o território para o capital. Daí a premissa de que Três Lagoas é uma cidade boa para se investir e ganhar dinheiro. E o que é investido de fato na cidade para gerar benefício à comunidade? É o que as empresas destinam como forma compensatória e/ou mitigatória dos impactos que geram. E como se dá a gestão desses recursos? Ademais, a Prefeitura Municipal por sua vez tem o compromisso de investir mais, já que de fato há o aumento da sua receita; assim como os governos estadual e federal devem criar e executar políticas públicas de habitação, saúde e educação eficazes, de modo a garantir a cidadania plena dos três-lagoenses e também das famílias que vieram de outras regiões. A demanda por esses serviços aumenta diuturnamente e não tem como frear. A cidade não para. A cidade é viva.
JP-Recentemente a senhora comentou que é contra o tipo de moradia popular que vem sendo construída em Três Lagoas, por quê?
Edíma- Quando digo que sou contrária a formação de loteamentos populares do modo como tem sido feito, me refiro as duas formas de loteamentos. Uma delas é a construção de conjuntos habitacionais nas bordas da cidade, no limiar do rural, deixando grande vazio urbano, área de reserva para futuros loteamentos, o que encarece para o poder público dotar de infraestrutura e séricos. É o caso, por exemplo, da Chácara Imperial e dos conjuntos Jardim Violeta I, II e III e Azaléa. Ali não foi disponibilizado infraestrutura e serviços públicos básicos, além do saneamento ambiental e água tratada, os moradores padecem com a falta d’água. Sem contar que o serviço de transporte coletivo no sábado passa uma vez de manhã e outra a tarde e no domingo não há este serviço para os moradores.
A nova forma de prover moradia popular em Três Lagoas é por meio dos condomínios fechados verticalizados, com grande número de unidade habitacionais, sobrepondo uma sobre a outra em forma de blocos. Parece natural, mas questiona dois aspectos, primeiro que não é necessário verticalizar moradias, pois o adensamento do uso do solo se dá quando há falta de terra, o que não é o caso de Três Lagoas, há grandes áreas de terra vazia, há muitos lotes não edificados e melhor localizados, mas os preços praticados inviabilizam a edificação de moradias populares, sob os moldes do Minha Casa Minha Vida. Segundo, que não há, dentre as famílias que compõem esse segmento de moradores, a cultura de morar em condomínios fechados e verticalizados. Essa cultura está sendo importada das grandes metrópoles, trazidas pelas construtoras e compradas pelo poder público municipal.
Esse adensamento do uso do solo, que resultará no “ajuntamento” de centenas de famílias (cerca de 1700 no Novo Oeste e certamente outras mais de 1.000 no Orestinho), que gerará muitos desajustes/reajustes no modo de vida das famílias, pois a gestão do espaço das moradias se dará de modo compartilhado, seja pelo uso do espaço – secar roupas, guardar veículos, motos e bicicletas – nos espaços de lazer e recreação, seja nos custos do condomínio. Será necessário criar e seguir novos códigos de postura, para que o convívio não se torne conflituoso.
JP- O que a senhora acha da expansão do plantio de eucalipto em Três Lagoas e região, bem como da ampliação das empresas de celulose?
Edima- Esse processo de expansão das áreas do cultivo de eucalipto era previsível, pois as fábricas necessitam de matéria prima. Quando me perguntaram sobre a aquisição das terras da região para o cultivo do eucalipto eu observei que evitasse comprar e/ou arrendar as terras dos pequenos produtores, para que evitasse que estas famílias viessem para as periferias das cidades, sem qualificação para o trabalho, dentre outros problemas. Mas a oferta feita pelas empresas seduz e o desfecho tem sido cada vez mais a colocação de terra disponível para o cultivo de eucalipto. Vejo como agravante, além da saída do homem do campo, o desabastecimento do mercado local de produtos hortifrutigranjeiros, carne e leite que redunda no encarecimento da cesta básica, que se soma aos custos da moradia, do transporte, etc. O custo de vida de Três Lagoas encareceu muito nos últimos anos, acompanha o ritmo do crescimento econômico.
JP-Na sua opinião , houve alguma alteração no meio ambiente de Três Lagoas com a instalação dessas indústrias?
Edima- Sim, certamente que houve significativas mudanças ambientais. Em recente pesquisa realizada por mim e outros colegas, o diagnóstico ambiental aponta que há contaminação da água subterrânea e dos espelhos d’água – córregos, rios e lagoas – por contaminantes diversos, assim como o aumento constatou-se a presença de partículas orgânicas e químicas dispersas na atmosfera, oriundas das fábricas e dos veículos e que vem alterando a qualidade do ar.Outro aspecto preocupante é a falta de um aterro sanitário industrial para receber e tratar os resíduos sólidos adequadamente. Hoje as empresas entregam seus resíduos a terceiros que vem de outros estados e os levam para serem tratados e/ou descartados posteriormente. Mas sempre ficam resíduos dispersos nas imediações das fábricas, nas rodovias, etc. Também é sentido pela população a ocorrência de fortes odores (em 2013 foram duas ocorrências) oriundos das fábricas de celulose e papel. Esses episódios levaram diversas pessoas aos hospitais, pois foram acometidas de intensa dor de cabeça e vômito.
JP-Três Lagoas estava preparada para receber essas grandes indústrias? E agora, depois de instaladas se preparou?
Edima- Três Lagoas preparou o ambiente físico – infraestrutura – para receber as plantas industriais, como doação/venda de terras, isenção de impostos, etc., mas a cidade em si não teve tempo de se preparar para receber esses empreendimentos. Primeiro porque se fez a política do “deixa acontecer primeiro e depois vai se rearranjando como der” e segundo, que a população de um modo geral desconhecia ou não previa a escala e dimensão dos problemas num futuro próximo. A ideia que se comprou foi de progresso e de desenvolvimento.
JP- A senhora juntamente com os alunos da UFMS traçaram um perfil dos vendedores ambulantes que vem para Três Lagoas, o que diz esse levantamento,? E o por que eles vem para a cidade?
Edima-Como disse, a cidade ganhou visibilidade e muitos desses vendedores ambulantes são oriundos do nordeste, os quais são arregimentados por um empresário daquela região que os coloca nas ruas com diversas mercadorias a serem vendidas, principalmente no centro principal da cidade. São mercadorias falsificadas ou da região do NE, sem controle fiscal, de qualidade questionada, mas que tem aceitação por algumas pessoas.
JP-Apesar de todos os problemas que a senhora já mencionou, ainda podemos dizer que, Três Lagoas é uma boa cidade para se viver?
Edima –Eu preciso e quero acreditar que Três Lagoas é uma cidade boa para se viver. O geógrafo Milton Santos, previu em 1983, que no início do Século XX as grandes metrópoles sofreriam certa estagnação no crescimento populacional, decorrente da redução do fluxo de migrantes e que as pequenas e médias cidades sofreriam um incremento populacional significativo. Pois segundo Santos (1983), essas cidades seriam o lócus do trabalho e proporcionariam boas condições de vida e de trabalho, como o que vem ocorrendo em Três Lagoas. Espera-se que os empreendedores orientados pelas políticas públicas locais valorizem a cultura local, cumpram com os direitos trabalhistas, promovam a inclusão social, respeitem o meio ambiente.