O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Senado protagonizam uma das maiores divergências jurídicas dos últimos tempos com impacto direto sobre parte do agronegócio em Mato Grosso do Sul. Para alguns, se trata de uma guerra pelo poder. Para outros, apenas um imbróglio jurídico. O que se tem certeza é que, diante da polêmica tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas, os próximos tempos ainda serão controversos. Há poucos dias, o STF rejeitou, por 9 votos a 2, a tese do marco temporal. Os ministros do Supremo entendem que ela é inconstitucional por ferir os direitos dos povos originários. A tese estipula que um território indígena só poderia ser demarcado se comprovada a presença da comunidade na área na data da promulgação da Constituição Federal, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988. Quem estivesse fora da área ou chegasse depois desse dia, não tem direito a pedir a demarcação. A tese pode inviabilizar o registro de até 287 territórios que estão em processo de regularização, segundo dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Já nesta semana, em uma tramitação acelerada, os senadores aprovaram, por 43 votos a 21, o projeto que estabelece o marco como referência para definição das áreas indígenas (PL 2.903/2023). Dos três senadores que representam MS, somente Nelsinho Trad (PSD-MS) não votou devido a uma viagem oficial para Argentina e Uruguai. Cabe agora, ao presidente Lula, num prazo de 15 dias, sancionar ou vetar a lei aprovada pelo Congresso Nacional. Por outro lado, o acórdão com a decisão do STF sobre o tema deve ser publicado no Diário Oficial da União em até 60 dias. E, enquanto legislativo e judiciário não se entendem, especula-se que ações judiciais em tramitação nesse período possam ser favoráveis à tese do marco temporal, já que dificilmente juízes de primeira ou segunda instância contrariam uma decisão do STF.
E, nesse período, processos de demarcação de terras indígenas poderão ficar em compasso de espera, afinal, o governo federal, a quem compete demarcar os territórios indígenas, terá que escolher entre a decisão do STF e o projeto aprovado pelo Congresso.
Mas a incerteza sobre esse tema vai além da competência do executivo. Caso a lei seja sancionada, entrar em vigor e o STF receber uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contestando o texto, o Supremo poderá suspender a vigência do texto, em caráter liminar, até que a Corte decida se é ou não inconstitucional. Ou seja, o último a falar é o Supremo Tribunal Federal e, nesse caso, cada cabeça, uma sentença!
Pra deixar a situação ainda mais “enroscada” juridicamente, os senadores pretendem incluir a previsão do marco temporal na própria Constituição, para que não possa ser derrubada pelo Supremo. Nesse sentido, já está em tramitação uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 48/2023) que necessita do voto favorável de 49 senadores e 308 deputados federais, ou seja, três quintos dos votos nas duas Casas de Leis. De decisão, em decisão, a tão esperada PAZ NO CAMPO pode ser adiada mais uma vez.