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Violência

Casos de estupro se tornam recorrentes em Três Lagoas

Atualmente, o Congresso Nacional discute criminalizar a vítima de abuso sexual

Atualmente, o Congresso Nacional discute criminalizar a vítima de abuso sexual. - Foto: Divulgação/ Internet
Atualmente, o Congresso Nacional discute criminalizar a vítima de abuso sexual. - Foto: Divulgação/ Internet

Em Três Lagoas, dados do Conselho Tutelar apontam que os casos de abusos sexuais e a gravidez decorrente de estupros de vulneráveis tem se tornado frequentes. O órgão é um dos responsáveis por identificar estes casos que, em 97% das ocorrências, acontecem dentro da própria casa da vítima.

Na maioria das vezes, as vítimas se encontram em situação de vulnerabilidade socioeconômica, o que dificulta ainda mais o acesso a serviços básicos, ainda que gratuitos. Segundo o conselho tutelar, em 2024, em Três Lagoas foram registrados 42 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Destes, oito resultaram em gravidez, sendo seis em meninas na faixa etária entre 13 e 15 anos de idade e outros dois em meninas menores de 10 anos de idade.

“Percebemos essa questão tanto do desarranjo familiar, a questão de vulnerabilidade social e econômica e limites de regras. Então, o ambiente, a falta de condições e envolvimento social são conjuntos que favorecem, principalmente, o abuso, que quase todos são intrafamiliares e círculos de amizades, além de outras situações”, explicou o presidente do Conselho Tutelar, Rafael Coelho.

O conselho encaminha a vítima aos serviços de fortalecimento de vínculos nos centros de referência em assistência social e, também, ao direcionamento aos serviços de saúde. Em caso de flagrante, a delegacia especializada no atendimento à mulher é acionada. Os demais casos são de responsabilidade do Ministério Público. 

A observação da mudança do comportamento em crianças é fundamental para que se identifique os primeiros sinais de abuso, que tende a ficar mais retraída e amedrontada, em caso de gravidez causada por esse abuso, muitas meninas não reconhecem sequer que podem estar gestantes, tanto os profissionais de saúde e educação e familiares próximos são essenciais neste processo.

O atendimento a esta criança deve oferecer um espaço seguro, como explicou a advogada e coordenadora dos direitos da infância e juventude, Juliana Alfaia. “Ao comunicar o ocorrido o tratamento precisa ser diferenciado, porque estamos diante não de um adulto, mas sim de uma criança. E para ela relatar isso em uma delegacia e hospital pode ser difícil, pois ela já estará vitimizada e violentada com a lembrança do que acontecer”, explicou.

De acordo com a ginecologista e obstetra Liliane Mariano, nem o corpo e nem o psicológico destas meninas estão preparados para uma gravidez. São vários os riscos que podem ocorrer durante esta gestação. E muitas destas meninas que engravidam sequer comparecem ao pré-natal por não entenderem a importância deste processo.

“Temos que considerar que toda gravidez na adolescência é de alto risco, por muitas vezes, o corpo da mulher não estar formado por completo. Ela pode desenvolver uma pré-eclâmpsia, que é quando a pressão aumenta, diabete sazonal e aumenta o risco de parto prematuro, que muitas vezes acaba tendo um desdobramento ruim, como a morte do bebê ou dá mãe. Então, a gravidez na adolescência requer um cuidado mais atencioso”, explicou Liliane.

Debate nacional

O tema abuso sexual se tornou recorrente nos noticiários nacionais nestes últimos dias. O Congresso tem debatido um projeto que criminaliza vítimas de abusos e que buscam interromper a gravidez, o que já é previsto em lei desde 1940.

O artigo 158 do Código Penal Brasileiro permite que, em casos de vítimas de violência sexual, feto anencéfalo ou que haja risco de vida para a gestante, a gravidez pode ser interrompida. Não é necessário que haja algum pedido judicial para que ocorra o aborto legal, basta a vítima de violência sexual se dirigir à unidade de saúde e comunicar a decisão.

Em Mato Grosso do Sul, apenas o Hospital Universitário de Campo Grande está apto para realizar o procedimento. Neste ano, o hospital já realizou 17 abortos legais decorrentes de gravidez causada por estupro, duas vítimas tinham 13 e outra 15 anos de idade.

No ano de 2023, foram realizados 36 procedimentos, sendo seis deles em meninas menores de 14 anos. O hospital conta com uma equipe de mais de 100 profissionais para atender a demanda. Atualmente, o Congresso Nacional discute criminalizar a vítima de abuso sexual que interrompa a gravidez no período posterior a 22 semanas, a pena seria equiparada ao crime de homicídio, com possibilidade de até 20 anos de condenação. Além da vítima, o médico responsável pelo procedimento também pode ser condenado.

O médico cardiologista e deputado federal Luiz Ovando (PP), foi o único da bancada sul-mato-grossense a assinar como co-autor da proposta, e defende a tramitação.“Eu sempre defendi e lutei pela vida. Foi sempre muito difícil porque ardo o trabalho do médico e preservação da vida. Não podemos concordar com uma situação irresponsável dessa, diante de uma declaração que, muitas vezes, não é verdadeira”, contou.  

A advogada Juliana Alfaia afirmou que o projeto não tem a vítima como prioridade e pode penalizar ainda mais quem já sofre a violência do abuso. “O projeto de lei vai punir duplamente a vítima nesse sentindo, uma vez que ela já punida pela prática do estupro e porque ocorreu gravidez e traumas psicológicos dos quais ela pode carregar pelo resto da vida. E agora, se aprovado o projeto de lei, ela vai ser punida criminalmente como se tivesse praticado homicídio”, concluiu.

Veja na reportagem abaixo: