A graça, os gracejos e as boas tiradas de humor são terapêuticos e, quando em sala de aula, são ferramentas valiosas da didática, pois permanecem indeléveis na memória dos estudantes. Ao encontrar muitos ex-alunos, somos em boa parte das vezes relembrados especialmente pelos causos cômicos, os ditos hilários, sem desmerecer as menções às exigências das provas ou à profundidade dos conteúdos, bem como aos ensinamentos de vida.
Mas professor não tem direito às vingançazinhas, aos melindres, mesmo diante dos perrengues, dos motejos, dos arranca-rabos, e aqui registro alguns deles que, embora estejam em primeira pessoa, não têm o propósito da autorreferência, até porque a graça maior é quando o professor não se sai bem – o que importa é a pilhéria, o humor e não quem leva a melhor. Evidentemente, todo professor é um ser humano e, num primeiro momento, prevalece a zanga: “esperem a próxima prova!”, em linha com o que ensina o dito popular: “A vingança é um prato que se come frio.”
Sono perdido, hoje me divirto
Nas décadas de 1970 e 1980, as provas de Geometria Analítica e Álgebra Linear dos cursos da Área de Exatas eram aplicadas aos sábados, às 7 h da manhã, na chamada “câmara de gás” do Centro Politécnico.
Éramos em 5 professores, que no dia da aplicação da prova, mais parecia um pelotão de polícia, sob o comando do temível Leo Barsotti. Entre os cerca de 700 alunos participantes, “quem não cola não sai da escola” era o mote, mas bem da verdade boa parte deles passava a noite em claro preparando-se para aquele “Inferno de Dante”.
Às 4 h da manhã do dia da prova, tocou o telefone (fixo) na minha residência. Acordei assustado, atendi e do outro lado escutei:
– Alô… O Napoleão está?
– Aqui não tem nenhum Napoleão! – respondi, sonolento e irado.
– Mas então por que o cavalo dele está dormindo aí?
A morte anunciada
Nos anos 1980, eu era professor de cursos da Engenharia no Centro Politécnico aos sábados, às 7:15 da manhã. Ano após ano, semestre após semestre, parte da turma se esbaldava na sexta à noite, em baladas e barzinhos, e chegava atrasada – quando ia – na aula do dia seguinte.
Sabendo disso, costumava estabelecer uma regra: a tolerância de atraso era de cinco minutos para a primeira aula, pois cada estudante que chegava atrasado tirava a atenção da turma. Depois disso, os alunos só poderiam entrar na segunda aula e, em tom de brincadeira, acrescentava:
– Atraso meu, só em caso de morte. Mas, se eu morrer, aviso antes.
Tudo corria bem até que, num belo sábado, um pneu da minha Belina furou e eu cheguei atrasado. Ao me aproximar da sala, um misto de ansiedade e nervosismo, pelas reclamações e blagues que eu já imaginava me esperarem. Mas eis que, para minha surpresa, nenhum aluno estava na sala! No quadro-de-giz e em letras garrafais, o veredito:
– O Jacir morreu.
O urologista vingador e zombeteiro
Em meados da década de 1970, fui professor de Matemática do então denominado 2º grau (atual Ensino Médio) do Colégio Estadual do Paraná. Exigente e com fama de “ferrador”, tinha ciência de que, quando pudessem, os alunos dariam o (talvez merecido) troco. Um dia da caça, outro do caçador.
O tempo passa, o tempo voa e, ao se avizinhar os meus 50 anos, fui indicado a um urologista bastante conceituado, para o primeiro e inesquecível “toque”. A consulta rolava amena e agradável e ele me olhava de esguelho, com um sorriso maroto, e até então eu não lembrava que ele tinha sido meu aluno. Mas, chegado o momento apoteótico, segui as orientações do ritual: deitei-me na maca, encolhi as pernas, enquanto o médico empunhava caprichosamente a luva no dedo indicador. Foi quando o urologista quebrou o silêncio com uma tirada magistral:
– É, professor, eu vou fazer com você o que muitos alunos gostariam de ter feito!
O homem que calculava
Certa feita, fui comprar bezerros, duas cargas de caminhões, sendo de costume separar os melhores, desde que a gente se propusesse a pagar mais. O fazendeiro vizinho era um tremendo gozador, zoava de tudo e de todos, sem falar de suas divertidas gabolices – em tom de chacota dizia-me que preferia vender os animais por hora e não ficar perdendo tempo contando um a um.
Mas, enfim, o gerente dele e eu nos posicionamos sobre as tábuas do curral para a contagem do lote, e a manada (tocada por peões a cavalo) passava acelerada por uma porteira, o que dificultava a contagem.
Então, veio a hora do veredito, e eu já imaginava o pior:
– Jacir, contou quantos? – perguntou o fazendeiro.
– Contei 146. – respondi.
O fazendeiro perguntou ao gerentão, que tinha estudado até a 4ª série. Ele respondeu 147 bezerros. O fazendeiro, que também havia contado 147 (ou fingiu que contou), foi espirituoso:
– Jacir, é muito fácil saber quantos bezerros: basta contar o número de patas e depois dividir por 4! Você não é professor de Matemática?
Professor, você não trabalha?
Aconteceu comigo, mas infelizmente também com muitos outros mestres. Imagine você dando aulas de manhã, de tarde e à noite, em lugares diferentes, quando o aluno chega e pergunta:
– Professor, você trabalha ou só dá aulas?
O poeta bom de prosa
Nos idos de 1997, fui ao lançamento do livro de poesias Plantares, de um renomado autor de compêndios de Matemática, o mestre Nilson J. Machado. Na hora da dedicatória, disse a ele que estava muito surpreso com o tema da sua nova publicação, pois ele já era autor de mais de dez livros, porém todos sobre Matemática, ao que se justificou:
– Meu caro Jacir, depois de 50 anos, da cintura pra cima poesia; da cintura pra baixo, só prosa.
*Jacir J. Venturi foi professor de Matemática e Física e diretor de escolas por 49 anos, da Educação Básica ao Ensino Superior, passando por cursos pré-vestibulares, tendo lecionado para mais de 90 mil alunos. Recebeu os títulos de Cidadão Honorário de Curitiba e de Comendador de Curitiba.