Uma pesquisa divulgada nesta semana revelou que seis em cada 10 escolas no Brasil adotam regras para o manuseio de celulares pelos alunos, permitindo o acesso apenas em determinados espaços e horários. Em Três Lagoas, todas as escolas, tanto da rede pública quanto privada, afirmam impor limites no uso do aparelho.
Na Rede Estadual de Ensino (REE) do município, a orientação é que os alunos não levem o celular para a escola, embora essa regra seja frequentemente quebrada. A coordenadora regional de Educação, Marizeth Bazé, explica que o uso do aparelho em ambiente escolar deve ocorrer apenas em casos de emergência. "Todas as escolas têm no regimento escolar a proibição do uso do celular dentro da sala de aula e durante o recreio. O aparelho só pode ser utilizado quando a professora organiza uma atividade específica que requer o uso do celular como ferramenta de ensino. Nesse caso, o aluno pode levar o celular para a aula e utilizá-lo sob a supervisão da professora".
A presença constante do celular tem comprometido o desenvolvimento e a concentração dos alunos, que fazem parte da chamada "geração digital" ou "nativos digitais". O professor Matheus Nogueira aponta que o uso de celulares cria uma concorrência desleal com o ensino tradicional. "É uma excelente ferramenta, mas o uso excessivo ou inadequado tem prejudicado muito o ensino e o aprendizado nas escolas, não só aqui em Três Lagoas, mas em todo o Brasil. Isso é algo que está sendo estudado em nível nacional. O simples fato de o celular estar com o aluno na sala de aula, mesmo que esteja desligado, já tem estudos apontando que causa certa ansiedade. A pessoa fica preocupada com uma possível notificação ou com o simples ato de olhar a hora, o que atrapalha a concentração e o aprendizado que deveria estar acontecendo durante a aula. Hoje, posso dizer que o celular tem sido uma dificuldade para os professores em todas as salas de aula. Tanto é que muitas escolas e países têm adotado medidas mais drásticas para proibir a entrada. Se não me engano, França, Noruega e Suécia já implementaram restrições. Isso ainda não é o caso do Brasil, mas pode ser que cheguemos lá. É uma dificuldade mediar o uso do celular e evitar seu uso excessivo em sala de aula".
Para evitar distrações e a competição entre professor e celular, uma escola particular em Três Lagoas adotou o uso de Chromebooks, integrando a tecnologia ao aprendizado, conforme explica a diretora da instituição Cristiane Candido. “Devemos implementar estratégias que alinhem o uso da tecnologia aos objetivos educacionais, de forma a aumentar a motivação dos alunos e tornar as aulas mais atraentes. A simples utilização da lousa já não é suficiente para captar o interesse dos estudantes como antigamente. A forma de ensinar evoluiu, e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) orienta as escolas a desenvolverem metodologias que integrem a tecnologia ao processo de aprendizagem”.
A pesquisa também indica que o controle sobre o uso de celulares tem se intensificado nas escolas que atendem alunos mais jovens. A proporção de escolas que proíbem o uso do dispositivo subiu de 32%, em 2020, para 43%, em 2023, nos anos iniciais do ensino fundamental. Nas escolas que oferecem os anos finais do ensino fundamental, essa porcentagem aumentou de 10% para 21% no mesmo período.
Por outro lado, a conectividade nas salas de aula também registrou um aumento entre 2020 e 2023. Em escolas municipais, esse número passou de 60% para 82%, enquanto nas estaduais foi de 63% para 80%, aproximando-se das escolas privadas, que registraram 88% em 2023.
No futuro, o desafio dos professores será ainda maior, pois as crianças do ensino primário, cada vez mais conectadas desde cedo, poderão levar os celulares para a escola, criando novas dificuldades para manter a atenção dos alunos em meio à atratividade das redes sociais.
O professor Matheus fica em dúvida sobre como conseguirá captar a atenção do aluno disputando com o aparelho celular. “A competição com mecanismos e algoritmos é desafiadora e, muitas vezes, impossível de vencer. Em nossa escola, o regimento interno proíbe o uso dos celulares, embora ainda não haja uma legislação estadual ou nacional que proíba esses aparelhos. Isso cria uma grande dificuldade para os professores, que não podem reter os dispositivos e acabam solicitando a colaboração da coordenação para comunicar os pais. Esse processo gera conflitos, pois os alunos podem sentir que têm o direito de usar seus celulares, embora não seja permitido”.
Para ele, não é fácil adaptar o uso do celular nas salas de aula. “Transformar o celular em uma ferramenta pedagógica não é uma tarefa simples. Requer um planejamento cuidadoso, a escolha de fontes e aplicativos apropriados e considera as desigualdades no acesso a dispositivos e internet entre os alunos. É necessário avançar na criação de uma legislação mais robusta que apoie a mediação desses conflitos e facilite o uso da tecnologia no ambiente escolar”.
Cristiane Candido ressalta que essa geração de alunos não aceita decisões por imposição, sendo necessário dialogar para lidar com o uso da tecnologia em sala de aula. “O método tradicional não é mais eficaz, e a escola não tem competência para forçar a entrega do celular pelos alunos. Se um estudante se recusa a entregar o dispositivo, o professor, a coordenação ou o inspetor não têm autorização para tomar o aparelho. Em vez disso, realizamos um trabalho de conscientização e diálogo sobre o uso responsável da tecnologia. Caso o aluno insista que o celular é dele e não deve ser confiscado, chamamos a família para ajudar na mediação. Hoje, os estudantes são extremamente curiosos e atentos, e a tecnologia e as plataformas digitais têm se mostrado aliadas importantes no processo educativo”.
Veja a reportagem abaixo: