O mês de agosto foi marcado por uma seca atípica e um aumento significativo nas queimadas em todo o país, afetando diretamente a qualidade do ar em Campo Grande e região. O Instituto de Física da Universidade Federal (UFMS), por meio do Observatório Meteorológico, emitiu alerta para os níveis de poluição que estão sendo registrados nesta época do ano.
O doutor em Geofísica Espacial da UFMS, Hamilton Germano Pavão, destaca a necessidade do poder público implantar uma política de prevenção e controle das consequências das anomalias climáticas. “É importante que se tenha uma política de implementação de equipamento, de monitoramento de qualidade do ar”, destacou o físico citando a presença de gases no ar que impactam na saúde da população.
Existe um alerta de vários institutos oficiais sobre a baixa umidade do ar no nosso estado. Agosto teve realmente problemas com a qualidade do ar aqui no Estado?
Hamilton Pavão: Infelizmente nós tivemos. Esse mês de agosto, está sendo atípico, com uma seca muito severa. Essa seca está provocando inúmeras queimadas no país inteiro e as queimadas prejudicam muito a qualidade do ar. Nós temos monitorado a qualidade do ar aqui em Campo Grande, no que diz respeito ao material particulado, porque as queimadas emitem vários poluentes, como gases, fuligem e, dentre eles, o material particulado. E o material particulado, para vocês terem uma ideia, vamosw comparar a um fio de cabelo, que tem um diâmetro de aproximadamente 50 a 70 microns, que é uma unidade de medida.
O material particulado, tem de 2,5 a 10, quer dizer, ele é muito inferior à espessura de um fio de cabelo. Como esse material é extremamente pequeno, ele é inalado e vai para as vias respiratórias, causando vários problemas. Além do Pantanal, as queimadas na Amazônia são levadas para o Centro-Oeste, Sudeste e chegaram até o Sul do país, desta vez. Existe um corredor que vem da Amazônia, devido a correntes de ar. E esse corredor é muito benéfico quando ele traz a umidade da Amazônia, o que é excelente. Mas durante as queimadas, todas essas partículas maléficas são carregadas para outras partes do país também.
Assim como nos mares, existe uma circulação de ventos no mundo inteiro. Então um problema em um local pode virar mundial, correto?
Hamilton Pavão: Sim, a circulação atmosférica, que a gente dá o nome a isso, é global. Para você ter uma ideia, detectaram uma chuva ácida na Escandinávia, região conchecida por ser livre de poluição. E um lago nessa região teve uma mortandade muito grande de peixes. Os pesquisadores verificaram que a água estava anormal e levemente ácida. Descobriram que a poluição estava vindo a três mil quilômetros de distância. A poluição é algo global. Ela é democrática nesse sentido. Ela não escolhe o lugar para onde vai.
O observatório meteorológico da UFMS faz uma análise do material suspenso no ar por aqui para identificar as partículas?
Hamilton pavão Infelizmente isso ainda não é feito. Estamos estudando um convênio com o Instituto de Química para que eles façam uma análise de qual componente está no ar. Esse material particulado, pode ser proveniente da queimada e também da queima de combustível fóssil. Por exemplo, o óleo diesel, principalmente devido ao enxofre que produz muito material particulado. Esse pozinho preto, que às vezes você está andando na rua e fica na gola da camisa, é um exemplo de material particulado.
E o resultado desse trabalho de pesquisa é importante para que os órgãos públicos possam adotar providências diante de um cenário desse, não é mesmo?!
hamilton pavão Exatamente. Hoje nós estamos correndo atrás de verba pra implementar mais equipamentos de medida na nossa estação, não só a de material particulado, mas medida de gases também, como por exemplo o gás carbônico, que faz parte do efeito estufa. E também o óxido de nitrogênio e o ozônio. O ozônio, em especial que nos protege da radiação solar, da radiação ultravioleta. A concentração máxima do ozônio é a 35km de altura, só que aqui embaixo também temos ozônio, mas em pouca quantidade, ainda bem porque ele é tóxico. E, quando há queimadas, há liberação de óxido de nitrogênio e, consequentemente, de ozônio. Então, aumenta a concentração de ozônio aqui embaixo. Em São Paulo, já se tem notícia dos danos que o ozônio causa, por conta da queima de combustível. Eu acho que hoje uma estação de qualidade do ar deveria ser implementada em todas as grandes cidades, porque já está virando quase que uma epidemia.
A estação está precisando de novos equipamentos?
Hamilton pavão Sim. Para comprovarmos se o ar está bom ou rim, são vários parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). E precisamos ter equipamentos que medem isso por uma estação regulamentada. Os equipamentos precisam atender às resoluções do Conama, e também para alguns gases padrões, o que não é realizado hoje. Então, quando a gente fizer isso, a gente pode falar que tem uma estação certificada. Ainda não medimos todos os parâmetros. A greve nas universidades, neste ano, deu uma atrapalhada, mas nós já estamos elaborando projetos, junto à Fundect e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para conseguirmos verbas e colocarmos esses equipamentos em funcionamento.
O senhor trabalha nessa área, com monitoramento atmosférico, há mais de 30 anos. Como analisa a qualidade do ar em nosso estado durante esse tempo?
Hamilton pavão Existe um padrão. A qualidade do ar aqui é boa com exceção nos meses de agosto e setembro. Sempre é um padrão. Só que nesses últimos dois anos, com o aumento das queimadas, houve uma piora desse quadro, percebemos mais períodos com maior suspensão de partículas no ar. As chuvas irregulares e o prolongamento da estiagem contribuem para esse cenário. Mas a qualidade do ar, de uma forma geral, ainda é boa. Com exceção desses meses, que são os meses de queimada. E é justamente o período que vamos enfrentar a partir de agora, com a chegada de setembro.