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Entrevista

Informação é o método mais eficaz contra gravidez precoce

Total de casos vem caindo a cada ano, mas ainda é considerado alto em MS e no país, pois ainda falta políticas de prevenção

MÉDICA > Maria Auxiliadora Budib é vice-presidente da Febrasgo - Foto: arquivo/JPNews
MÉDICA > Maria Auxiliadora Budib é vice-presidente da Febrasgo - Foto: arquivo/JPNews

Em Mato Grosso do Su, 5.214  crianças e adolescentes deram à luz em 2023, sendo que 251 dessas mães tinham idades de até 14 anos. No mesmo período, o número de mortalidade materna entre jovens de 10 a 19 anos, foi de 66 casos. A vice-presidente da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo),  Maria Auxiliadora Budib, evidencia as causas e as consequências para a saúde de crianças e adolescentes que engravidam precocemente. “Além de se tornar mãe, ela tem uma chance maior de ter um bebê acolhido na neonatologia de alto risco, que é a UTI”. A médica reforça que a educação sexual e o conhecimento sobre a fertilidade, são os principais instrumentos para diminuir os índices da maternidade em meninas e adolescentes.

No Estado, em média, seis mil jovens, com idades entre 15 e 19 anos, ficam grávidas a cada ano. Como entender este cenário? 
Maria Budid Esse cenário é desafiador, porque ele não passa apenas pelo atendimento médico. Muitas dessas meninas, quando chegam para o atendimento, já estão gestantes. Outras chegam na hora do parto sem saber que estão grávidas, porque  elas engravidam nas primeiras relações, nem sempre consensuais. Algumas meninas mal chegaram no ciclo menstrual. Quando a mãe é adolescente, o risco dos filhos serem pais e mães na adolescência também é maior. É o ciclo se repetindo.

Diante dos dilemas que esse assunto ainda traz fortemente para a sociedade, como trabalhar esse ciclo?
maria budid Nesse ponto entra a interface da saúde com a educação. Não é possível trabalhar o tema “gravidez na adolescência” sem mexer com valores culturais. Precisamos dialogar com os filhos. A partir do momento que essa crianca vai crescendo e entrando a puberdade, temos que falar: ‘não pode ter manipulacão dos seus órgãos sexuais, o que acontecer de diferente com você, você me conta’. Temos que ir trabalhando numa evolução de diálogos. Quando começa o periodo pré-puberal, o corpo  e a voz mudam, tanto para o menino quanto para a menina, mas ela paga com o corpo, com a fertilidade. Por isso, a gente trabalha também a paternidade responsável e as suas escolhas de vida. Mas, essa entrada na adolescência, sem diálogo, expõe mais a jovem à gravidez. A gente fala e orienta, porque pode acontecer.

As iniciativas que hoje são realizadas nas áreas da saúde, educação e na família, são suficientes em Mato Grosso do Sul?
Maria Budid Se elas apresentarem estratégia de continuidade, sim. As Secretarias de Saúde do Estado e do Município ( SES e Sesau) têm programas de planejamento familiar com métodos contraceptivos de longa ação. Há 20 anos, a Sociedade de Ginecologia de Mato Grosso do Sul faz educação dos médicos em todo o Estado para saberem inserir DIU e Implanon. Agora, o acesso desta paciente à Unidade de Saúde começa no Programa de Saúde da Escola (PSE), com a vacinação em dia, que inclui a Anti-HPV, e nisso a gente começa a falar também de sexualidade. A vacina contra o HPV pode ser aplicada até 45 anos, mas a idade que o SUS proporciona para meninos e meninas, é de nove a 14 anos, quando ainda não entraram em atividade sexual. 

Qual é a percepção dos adolescentes sobre a educação sexual?
Maria Budid O adolescente sempre tem aquele pensamento mágico: ‘não, comigo não vai acontecer’. Então temos que mostrar os caminhos que, podem sim, acontecer e a escolha sexual para quando estiver preparada. A gravidez na adolescência é histórica e ela foi mudando o contexto porque nós, mulheres, também após a Revolução Industrial, passamos a estar no campo de trabalho. A gente estuda a maternidade com um pouco de atraso. E, hoje, temos extremos: ou engravida de 10 a 19 anos ou engravida depois dos 35 ou 40. Então, trabalhar essa prematuridade de gestação, o maior risco de hipertensão e atraso de pré-natal, é falar sobre indicador de mortalidade materna.

Quais as consequências para a saúde, tanto  dos bebês, quanto para as crianças ou adolescentes grávidas? 
Maria Budid  A mais comum é a prematuridade, porque o corpo ainda está em desenvolvimento. Se a menina atrasa para começar o pré-natal, há mais chance de ter infecção urinária e infecção gengival, que leva à rotura prematura de membranas (vazamento do líquido amniótico que envolve o feto em qualquer momento antes do trabalho de parto). Ela passa por uma maternidade que, possivelmente, já começa em uma UTI neonatal, porque o bebê vai ter que ganhar peso. Então, além de se tornar mãe, ela tem uma chance maior de ter bebê acolhido na neonatologia de alto risco. ‘Quem vai cuidar dessa criança com ela?’ Porque de 10 a 14 anos, são duas crianças. 

Para essas jovens, o percentual de engravidar novamente em até dois anos é de 50%. Como fica esse intervalo entre partos? 
Maria Budid Quando a jovem acabou de ter bebê, as manobras e as estratégias devem ser: ‘vamos assegurar o método contraceptivo de longo prazo’, porque a chance dela retornar gestante em menos de dois anos também traz mais riscos de ruptura uterina, mais atonia e hemorragia. São sempre indicadores de morte. Então, quando essa gestante adolescente tem seu parto em um ambiente hospitalar, essa equipe de saúde é responsável também por colocar o DIU pós-parto, o implante pós-parto ou o contraceptivo trimestral, que é injetável, para evitar que ela retorne grávida em menos de um ou dois anos.

A característica regional e geográfica das fronteiras com o Paraguai e a Bolívia, influencia também nas estatísticas?
Maria Budid Influencia bem mais. Em 2000, o índice de gestação na adolescência era de 23,8%. Esse cenário vinha muito do interior, próximo das fronteiras. Depois, há uma queda em 2021 para 14,5% de gestação a nível nacional. Em Mato Grosso do Sul, o índice está em torno de 15%. Em 1996, eu estava saindo da residência médica e foi implantado o primeiro serviço de planejamento familiar em Campo Grande, também o primeiro do Estado. E essas políticas públicas, elas estão avançando.  A gravidez na adolescência ainda está muito arraigada à sexualidade precoce, aos fatores culturais e à música, que apresenta essa sexualidade para o jovem. E nós temos que explicar as responsabilidades com a fertilidade para essas adolescentes.