Veículos de Comunicação

Estudo

Jovens fora do mercado de trabalho e da escola se dedicam a tarefas domésticas e cuidado dos filhos

Estudo revela desafios significativos, como a alta taxa de jovens de 15 a 24 anos que não estudam nem trabalham

A realidade dessas jovens se reflete na história de Fernanda Mirella de Freitas, de 24 anos
A realidade dessas jovens se reflete na história de Fernanda Mirella de Freitas, de 24 anos

Três Lagoas foi apontada como a cidade com pior desempenho para mulheres no Mato Grosso do Sul e a 13ª pior do Brasil, de acordo com um estudo da organização Tewá 225. O levantamento revela desafios significativos, como a alta taxa de jovens de 15 a 24 anos que não estudam nem trabalham, levantando questionamentos sobre os fatores que as mantêm à margem do mercado de trabalho e da educação.

A realidade dessas jovens se reflete na história de Fernanda Mirella de Freitas, de 24 anos. Ela iniciou a faculdade de Contabilidade, mas precisou interromper os estudos. Trabalhava com o marido em um estabelecimento comercial, mas deixou o emprego após o nascimento do filho. “Eu parei de estudar para trabalhar, porque eu trabalhava com o meu marido. Aí parei de estudar para trabalhar mesmo. E quando meu filho nasceu, eu me dediquei 100% a ele. Amo muito ficar em casa, cuidar dele, brincar com ele. Só ser mãe e dona de casa já é complicado, imagina se eu trabalhasse fora. Seria muito mais difícil, sem contar que eu não cogitava deixá-lo numa creche“, relatou Fernanda.

Entre os diversos fatores que dificultam a conclusão dos estudos e o ingresso na universidade, um dos mais significativos é a maternidade precoce. Vanessa Ferreira Franco, também de 24 anos, tem três filhos e abandonou os estudos ao engravidar do primeiro aos 16 anos.

Com escolaridade até o 9º ano, ela se dedica às tarefas domésticas e faz faxinas ocasionais para complementar a renda do Bolsa Família. “É difícil, porque eu tenho que cuidar deles e, para conseguir trabalhar, fica complicado. Estudar então, mais difícil ainda, porque depois que a gente tem filhos, a prioridade é criar e sustentar. Eu sou sozinha e não tenho rede de apoio. Faço um bico aqui, outro ali, porque trabalhar fixo é complicado. Se eu precisar faltar para levar meus filhos ao médico ou porque não tem aula, o patrão não entende”, desabafou Vanessa.

A professora Patrícia Helena Milani, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), especialista em geografia urbana e questões de gênero, destaca que grande parte das jovens que não estudam nem trabalham está envolvida no trabalho doméstico e no cuidado com os filhos. “As pesquisas mostram que, segundo o IBGE, 65% das jovens que não estudam e não trabalham estão ocupadas com serviço doméstico e possuem filhos pequenos. Isso é um dado muito relevante, porque quando se fala que essas jovens não estudam nem trabalham, parece que estão desocupadas. Mas, na verdade, estão envolvidas no trabalho de cuidado e na criação dos filhos. Essa realidade gera uma onda de desqualificação da mão de obra, refletindo na política e nos cargos de liderança”, explica Patrícia.

A professora reforça ainda a importância de discutir os diferentes fatores que tornam algumas mulheres ainda mais vulneráveis, como a questão racial e territorial. “Os dados mostram que mais de 70% dessas mulheres são negras. Precisamos enxergar que existe um fator racial e também uma questão de localização: essas mulheres moram na periferia. Há um fenômeno de ‘periferização’ das mulheres pretas e pobres. A responsabilidade pela criação dos filhos, pelos afazeres domésticos e, consequentemente, pela falta de qualificação profissional, recai majoritariamente sobre elas”, pontua.

Outro problema crítico apontado pela pesquisa é a falta de suporte para que essas mulheres possam estudar. Entre 2023 e 2024, Três Lagoas tinha um déficit de 600 vagas em creches, obrigando muitas mulheres a abandonar os estudos ou o emprego para cuidar dos filhos. “Há creche noturna para uma jovem fazer um curso de graduação? Mesmo durante o dia, havia fila de espera para 600 crianças em Três Lagoas. Isso mostra que políticas públicas ainda são insuficientes. As redes de apoio dessas mulheres vêm da família, dos vizinhos, e não do Estado. As cotas e recursos são avanços, mas não resolvem o problema. Enquanto não repensarmos nossa sociedade, que é estruturalmente machista, esse quadro não mudará”, finaliza a professora Patrícia Milani.