Desde o começo de outubro, Mato Grosso do Sul tem registrado chuva com mais regularidade. A região Leste do estado tem sido castigada com o aumento do volume de chuvas nos últimos dias. Esta semana – entre os dias 9 e 10 – Três Lagoas registrou o maior volume de chuva no estado com 90,8 mm.
Segundo o meteorologista do Centro de Monitoramento do Tempo e do Clima (Cemtec), Vinicius Sperling, esta situação representa o impacto das chuvas irregulares no estado, alguns locais com registro de chuvas abaixo do esperado enquanto que em outros, o acumulado supera as expectativas para o período. Cenário previsto, inclusive, para a próxima estação do ano.
A mudança de cenário contrasta com a falta de precipitações ao longo do ano. Devido à seca, ao baixo nível do Rio Paraguai, agravada pelas sequentes ondas de calor e aos incêndios florestais, o Governo do Estado prorrogou o decreto de escassez hídrica no estado até o dia 31 de janeiro de 2025.
Qual a previsão para o Verão?
Vinicius Sperling No primeiro momento, os modelos vinham apontando que as chuvas tenderiam a ficar abaixo da média em novembro. No entanto, os modelos de previsão climática mudaram um pouco. Eles preveem agora chuvas mais próximas da normalidade. Porém, a gente destaca que ainda é um cenário de incertezas, porque quando o modelo coloca chuva próximo da média, pode ser ligeiramente abaixo, ou ligeiramente acima. Temos a expectativa de que as chuvas possam ficar mais próximas da média, mas o que a gente vem observando são chuvas irregulares. Então, chove numa cidade, chove num bairro, mas não chove na cidade vizinha. E a formação de sistemas meteorológicos que favorecem essas chuvas mais generalizadas não estão ocorrendo. Eles são responsáveis por 60 a 80% da nossa chuva. Então, como eles não vem ocorrendo numa frequência que deveriam, estão levando a essa situação crítica e com esse cenário de um Verão que ainda pode ser de chuvas irregulares.
Três Lagoas registrou em um único dia 90,8 mm de volume de chuva. Qual o cenário para a região nesse fim de ano?
Vinicius Sperling Esse exemplo mostra claramente o que falávamos das chuvas irregulares. Tivemos munícipios que não tiveram precipitação essa semana, e Três Lagoas, por exemplo, registrou temporais. Isso mostra bem o cenário real que a gente está passando. As chuvas estão se concentrando mais na faixa sudeste, leste e nordeste do estado nesses últimos dias, ou seja, metade leste. Então é a configuração meteorológica que tem acontecido nesses últimos dias. Bataguassu teve um volume de chuva muito elevado no mês de novembro, ficou no topo do ranking de todos os municípios do Mato Grosso do Sul em volume de chuva, com 273,2 mm, aumento de 105%. Então, realmente a bola da vez na chuva está lá com a região leste e deve continuar aí nessa próxima semana [ de 15 a 21 de dezembro]. A palavra correta é monitoramento. A gente precisa monitorar.
Este ano, o nível do Rio Paraguai chegou a registrar o menor índice em 124 anos de monitoramento. Quais fatores levaram o Rio Paraguai a ficar em estado crítico?
Vinicius Sperling Desde setembro de 2023, a gente tem percebido chuvas abaixo da média histórica na maioria dos municípios do estado, incluindo os municípios da região pantaneira. Só que aliado a isso, nós temos um outro fator muito importante, que são as ondas de calor. A chuva abaixo da média aliada a temperaturas muito altas acelera o processo de evaporação das superfícies de água, transpiração de plantas.
Essa situação acaba retirando a umidade do sistema do solo. Outro fator são as ondas de calor. De setembro de 2023 a outubro de 2024, tivemos a ocorrência de aproximadamente 16 ondas de calor em Mato Grosso do Sul, praticamente uma onda de calor por mês associada a essa falta de chuvas. Toda essa combinação de fatores levou a essa situação crítica do Rio Paraguai.
Diante deste cenário, o Rio Paraguai não irá voltar ao seu nível de normalidade em 2025?
Vinicius Sperling Sim, muito provavelmente, porque a gente deveria ter chuvas acima da média para recuperar pelo menos o déficit hídrico de 2024. Fizemos um estudo no Cemtec com dados de satélite para o Pantanal e a gente percebe que o Pantanal sul-mato-grossense está desde 2019 com chuvas abaixo. 2023 chegou muito próximo da média, mas não atingiu a média.
Qual a perspectiva?
Vinicius Sperling Já são seis anos de chuvas abaixo da média e temos percebido, agora em dezembro, um cenário que essas chuvas possam ultrapassar essa média, sem excedente. Então, a situação é preocupante. Nesse sentido, o déficit é muito grande.
Diante desse histórico apresentado, é possível afirmar que há um ciclo na região pantaneira?
Vinicius Sperling Não é um ciclo bem definido. Em alguns anos passados, por exemplo, 1964, a gente teve um nível muito baixo também do Rio Paraguai, então em outros momentos já houve também essas secas. Mas o cenário de agora, o que preocupa é a seca e a falta de chuva aliada com temperaturas muito acima do normal. Esse é um cenário que ocorria no passado. A onda de calor é definida com 5º acima da média por um período de, no mínimo, 5 dias. A gente chegou a perceber momentos no Pantanal, com 7º, 8º acima da média, atingindo até 43º de temperatura, como em outubro e novembro deste ano, em Aquidauana, em Corumbá, e Miranda. Então, esse é o cenário atual. Essas ondas de calor têm se potencializado muito a evaporação acelerada das superfícies de água.
Em uma previsão mais longa, de futuro, é possível ter uma expectativa?
Vinicius Sperling Os modelos de clima são limitados em torno de 6 a 12 meses. Então, conseguimos olhar com uma certa tendência e também com cautela, porque quanto mais tempo passa, a incerteza dos modelos é menor.
Mas nós podemos olhar, dentro desse cenário proposto, o impacto das mudanças climáticas. Está diagnosticado que o Brasil Central está secando. Estamos no momento com cinco bacias hidrográficas no pior nível da história, incluindo a do Paraguai. Não é só o momento crítico de Mato Grosso do Sul e sim do país todo, passando pela maior seca de um dos últimos 70 anos.
E nesse cenário dos próximos anos, nós podemos ver essa incerteza em relação às mudanças, o que elas vão ocasionar. Cenário de seca no centro do país, centro-norte do país, e chuvas intensas na região sul. Esse era um cenário proposto para 2030 em diante, mas estamos vendo isso agora, este ano. O ano de 2024 nos mostrou bem que as mudanças climáticas são, de fato, uma realidade.