AJustiça Militar tem a função de julgar os crimes militares definidos no Código Penal Militar, por integrantes das Forças Armadas (Aeronáutica, Exército e Marinha). No entanto, a Justiça Militar também pode julgar crimes cometidos por civis, que atentem contra a administração Pública Militar, ou em aréas responsáveis pelas Forças Armadas.
O presidente do Superior Tribunal Militar (STM),tenente-Brigadeiro do Ar, Francisco Joseli Parente Camelo, esteve em Campo Grande para participar do simpósio “O assédio e a discriminação de Gênero, Raça e Religião nas Relações de Trabalho”, realizado entre os dias 15 e 17 de novembro. A reportagem do Grupo RCN entrevistou o ministro com exclusividade para a Rádio CBN Campo Grande. O militar esclareceu sobre a atuação dos juizados militares, em especial do STM.
Qual é o papel da Justiça Militar e quais são os principais crimes que a Justiça Militar julga?
FRANCISCO CAMELO O papel da Justiça Militar é tutelar a hierarquia e a disciplina no seio das Forças Armadas. Infelizmente, hoje em dia, um crime muito comum é a droga dentro do quartel, justamente daqueles soldados que tiram serviços. E as Forças Armadas têm um cuidado muito especial porque esses militares trabalham com armas, eles tiram serviço com armas. Então, nós não podemos admitir no quartel que esse elemento porte uma grama de droga, por conta que sabemos que a droga vai influenciar no ciclo desse elemento. Nós somos muito severos com droga. A maior parte dos crimes está ligada às drogas. Temos ainda os crimes de deserção, que são aqueles militares que se afastam do quartel sem autorização por mais de oito dias. Há ainda o crime de licitação no processo licitatório, onde militares são corrompidos. E aí nós julgamos tantos os civis que corromperam nossos militares, como nossos soldados. O feminicídio também está sendo julgado na Justiça Militar. Desde que aconteça de militares contra militares, dentro de instituições militares. Então, todos esses crimes são julgados pela Justiça Militar.
A Justiça Militar teve que se adequar ao atual momento social no país?
Francisco Camelo Sim, até porque o Código Penal Militar era de 1969. Conseguimos agora, nesse segundo semestre, aprovar no Congresso Nacional e já foi sancionado todas essas atualizações do Código Penal Militar. Naturalmente, muita coisa ainda temos a aperfeiçoar. Mas o código anterior não fazia diferença do traficante, do consumidor, do portador. Hoje existe essa diferença. O crime para o traficante é muito mais grave do que o crime para o consumidor de droga.
Uma curiosidade é que o Código Penal Militar prevê a condenação de acusados à pena de morte. Em que situações essa pena pode ser executada?
Francisco Camelo O Código Penal Militar tem duas fases. Tem uma parte que é para crimes militares cometidos em situação de paz e temos a outra parte para cometidos em situação de guerra. Em situação de guerra nós temos a pena de morte. Essa é a única exceção, inclusive na Constituição. A pena de morte pode ser, por exemplo, por conta de uma traição ao país. E nós tivemos uma condenação à pena de morte na Segunda Guerra Mundial. Tivemos dois soldados condenados à morte, por problemas que eles tiveram, eu acho que estavam bebendo, e aí houve um estupro e, naquele estupro, houve um assassinato e esses elementos foram condenados à pena de morte. Mas como já estava no final da Segunda Guerra Mundial, o presidente Getúlio Vargas substituiu a pena de morte para 30 anos de prisão.
Falando agora sobre o simpósio, qual a importância da Justiça
Militar promover este tipo de debate?
Francisco Camelo Este debate sobre assédio moral, sexual, racial, e discriminação, é uma orientação do próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Na Justiça Militar, nós temos a Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados, a Enajum. E a escola escolheu Campo Grande para fazer este simpósio. A finalidade maior deste simpósio é discutirmos esse tema e melhorar o ambiente de trabalho, porque é no ambiente de trabalho que nós passamos a maior parte do nosso tempo. O assédio tem sido muito presente em nossas instituições. Então, o CNJ fez uma resolução para que todos os nossos tribunais atuassem nesse assunto.
Quais são os maiores desafios enfrentados pela Justiça Militar?
Francisco Camelo Hoje no país nós passamos por uma conjuntura que merece um cuidado muito especial. Tivemos aquele movimento do 8 de janeiro, onde houve realmente grupos interessados em uma intervenção militar. Isso é crime. Nós temos que lutar pela democracia no nosso país. Esse é o objetivo maior que nós temos neste momento, a consolidação da nossa democracia. Em uma das narrativas nas redes sociais, nós tivemos muita provocação entre esses grupos que existem, e nós temos que pensar em pacificar este país. Unir, procurar pontes entre os tribunais superiores, e entre os poderes da república, para que a gente possa unir esse país. Não queremos um país desunido. Essa não é uma vocação do brasileiro. O brasileiro gosta de estar feliz, de estar alegre. E é isso que nós temos como o maior desafio neste momento, como presidente de um tribunal superior. É contribuir para a pacificação de nosso país.
Existem militares suspeitos de envolvimento nos atos de 8 de janeiro. Eles estão sendo julgados pela Justiça Militar?
Francisco Camelo Nós temos poucos militares sendo julgados. Na Justiça Militar mesmo, nós temos dois militares em Brasília. Um por injúria e outro por ter também falado mal dos seus comandantes e estão sendo julgados na primeira instância. Os atos praticados no dia 8 de janeiro no Palácio do Planalto, no Supremo Tribunal Federal e no Congresso Nacional, não são lugares sujeito s à administração militar. Então, ali não houve crimes militares.
Nós temos outros militares que estão sendo investigados, como o Coronel Cid, e até mesmo generais. Mas qualquer crime contra a paz social e contra a política nacional, são crimes de competência da Justiça Federal. Não são de competência da Justiça Militar. Eu não vislumbro que esses crimes, que esses militares que estão sendo investigados venham para a Justiça Militar. Elas devem ir realmente para a Justiça Comum.
Voltando para a atualidade, o presidente Lula decretou uma operação de Garantia da Lei e da Ordem no Rio de Janeiro. Civis que forem presos por militares serão julgados pela Justiça Militar?
Francisco Camelo Quando houver operações militares em que tivermos, qualquer infração dentro de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem, será julgado na Justiça Militar porque está sujeito à administração militar. Então, em aeroportos e em portos, os crimes ali cometidos serão crimes militares. Poderá haver crimes também comuns, mas no geral, será crime militar. Haverá o crime de desacato, o elemento que vai lá e vai desacatar o militar e outros que possam acontecer ali dentro daquela situação, também reponderão na Justiça Militar.