Os casos prováveis de dengue em Mato Grosso do Sul ultrapassaram a marca de 1.400, com 191 confirmações nos primeiros 27 dias deste ano. A terceira semana epidemiológica de 2024 foi a mais crítica, com 526 casos prováveis, quase o triplo do que foi registrado na primeira semana (204). Já a semana passada, a quarta semana epidemiológica, registrou 337 casos de dengue. As regiões sul e nordeste do Estado são as mais críticas. Aral Moreira é a cidade com o maior número de casos prováveis (224), seguida por Costa Rica (120) e Paranhos (101).
Campo Grande soma 67 casos em 27 dias, enquanto Três Lagoas registrou 65 ocorrências. Uma pessoa morreu com suspeita de dengue e o caso está sendo investigado. No ano passado, 42 óbitos por dengue foram registrados no Estado.
Segundo o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, este é o momento de crescimento de casos, já que o verão é marcado pela presença da chuva.
Estamos diante de mais um Verão com registros altos de dengue. É possível eliminar essa doença?
Julio croda – É díficil elimar essa doença no Brasil. O vetor já está bem estabelecido, que é o Aedes aegypti, o mosquito da dengue, que transmite outras arboviroses, como o Zika Vírus e a Febre Chikungunya. Nós podemos controlar o número de mosquitos, mas isso depende da contribuição da população para eliminação dos focos intradomiciliares. É importante destacar que 80% dos focos estão dentro do domicílio. Além do poder público organizar o serviço de saúde para atender a população, também é essencial o treinamento da equipe de saúde para identificar os sinais de alarme da dengue e proceder o tratamento adequado.
Existem chances de uma epidemia de dengue neste ano?
Julio croda – Está claro que iremos ter uma epidemia por conta do aumento dos casos. A nossa obrigação é evitar o óbito pela dengue, porque o tratamento para a doença é hidratação a partir da identificação dos sinais de alarme. Por isso, é importante que o poder público, sabendo que a gente vai ter esse aumento de casos, faça um plano de contingência adequado, planeje abertura de novos serviços, tenha horários estendidos de funcionamento desse serviços e treine a sua equipe para receber esse volume a mais de pacientes durante esse período.
Os planos de contigência deixam a desejar no combate a dengue?
Julio croda – As armas que o poder público têm para o enfrentamento da dengue são bastantes limitadas. Grande parte dos focos está nos domicílios e requer uma mudança de atitude da população, como fechar a caixa d’água, colocar areia no pratinho da planta, eliminar pneus do quintal ou qualquer utensílio que acumule a água. Isso tem que virar hábito e tem que ser feito semanalmente. Então, o poder público fica limitado ao controle vetorial ambiental, que é o fumacê, porque apenas 25% dos mosquitos estão no ambiente, e também pela organização do serviço de saúde. Estamos iniciando um período epidêmico de aumento de casos, o pico aqui no estado será em abril. Então, temos ainda três meses de aumento sucessivos de casos de dengue em diversas cidades. Algumas delas têm vantagem, como Campo Grande que implementou o Método Wolbachia, e Dourados vacinando sua população de 4 a 60 anos.
Campo Grande está há três anos com o Método Wolbachia, e a cidade continua tendo casos. Como você avalia essa questão?
Julio croda –Os estudos mostram que o método precisa de tempo para que a Wolbachia se torne predominante em toda a cidade. Recentemente foi realizada a soltura em toda a capital. É preciso atingir entre 60 e 70% dos mosquitos infectados pela bactéria pra gente ter um impacto real, geralmente a redução é de 50 a 75% dos casos. Essas novas ferramentas são essenciais e vamos ver algum tipo de impacto em Campo Grande.
Mato Grosso do Sul irá receber as vacinas do SUS contra a dengue. Como o senhor a avalia essa chegada tão esperada da vacina no combate à doença?
Julio croda – A vacina é um grande avanço. Mato Grosso do Sul foi um estado privilegiado, porque todas as cidades do estado receberão doses para vacinar a população de 10 a 14 anos. Foram escolhidos critérios técnicos pelo Ministério da Saúde, como macrorregiões com cidades de mais de 100 mil habitantes; circulação do soro tipo 2, que é o que predomina aqui no estado; e o impacto da dengue no passado. Entretanto, para uma população ainda bastante restrita. Quem receber a vacina vai estar protegido. A vacina protege 80% dos casos sintomáticos e evita até 90% de hospitalização. Mas o impacto geral nos casos não vai ser tão grande, porque a dengue acomete todas as faixas etárias. É importante reforçar que, mesmo com a vacina, a gente tem que manter as medidas preventivas do controle do mosquito.
Por enquanto somente um laboratório produz a vacina. Como o senhor acredita que o antídoto deve ser democratizado ao longo do tempo?
Julio croda – A previsão não é animadora. Temos a previsão de 50 milhões de doses em cinco anos pelo laboratório japonês. Aqui no Brasil, o Instituto Butantan tem a sua vacina, de uma dose. E a vacina japonesa tem duas. A previsão é que o Butantan inicie o processo de aprovação na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no final do ano, e a vacina esteja disponível a partir de 2026. Existem também negociações dessa empresa japonesa com a Fiocruz. O que temos que entender é que nos próximos três anos a oferta da vacina da dengue será limitada.
Qual faixa etária está mais vulnerável para a dengue?
Julio croda – Ela é bastante democrática, mas a gente tem duas faixas etárias que tem maior risco de hospitalização e óbito. Os idosos acima de 70 anos, por conta das comorbidades, e os adolescentes por conta da história natural da doença, porque geralmente a segunda infecção é a mais grave. E os adolescentes adquirem a segunda infecção nesse momento. Por isso, a vacina é feita para esse grupo específico, agora.
Quantas vezes uma pessoa pode ser infectada pela dengue?
Julio croda – São quatro sorotipos de dengue, então teoricamente você pode ter dengue quatro vezes. As pessoas têm que ficar atentas para a segunda infecção, porque o organismo entende que é um outro vírus e produz uma resposta imune, que é para atacar outro vírus e não pro vírus atual, e aí o vírus continua se replicando, e por isso que a infecção é mais grave. Hoje em dia não se fala mais dengue hemorrágica, a gente fala dengue grave e dengue com sinais de alarme porque a maioria dos casos hospitalizados de dengue não têm hemorragia, mas tem sinais extravasamento de líquidos , o líquido sai do vaso e vai pro abdômen. Também há sintomas de hipotensão, que é a pressão baixa, confusão mental. São sinais de alarme e não necessariamente têm uma hemorragia. Devido à isso a nomenclatura foi alterada.