Peixes como dourado e arraia estão aparecendo mortos às margens do rio Miranda, município sul-mato-grossense que leva o mesmo nome e fica distante cerca de 200 quilômetros da Capital Campo Grande. Em entrevista ao Jornal CBN Campo Grande nesta segunda-feira (20), o prefeito de Miranda, Fábio Florença (PDT), comentou o caso.
Ele não acredita se tratar de um fenômeno natural, que ocorre na região pantaneira no início do período de cheias. "Não tenho relato da dequada aqui nas outras enchentes. Não costuma dar dequada aqui", afirma o prefeito.
Ribeirinhos da região alertam para a possibilidade de poluição das águas por meio de agrotóxicos. Um desses moradores, um pescador profissional, gravou um vídeo sob a ponte da BR-262, no Rio Miranda, nesse domingo (19), quando surgiram os primeiros exemplares mortos.
Acompanhado do filho, ele mostra uma arraia e um dourado mortos e se mostra surpreso com a situação. "Aqui é o Miranda, nunca deu dequada. Sempre dá dequada lá pro Passo do Lontra (município de Corumbá). No rio Vermelho. Aqui pra cima, na cabeceira, nunca deu dequada", comenta o ribeirinho, às margens do rio que já está com nível bem acima do normal por causa do excesso de chuva nos últimos dias.
O morador, que sobrevive da pesca profissional, acredita que o problema esteja na expansão da agricultura na região pantaneira, por uso de agrotóxico nas lavouras.
"Os cara tão metendo lavoura lá em cima. Joga veneno no rio. Aí na hora de abrir a pesca, nós (pescadores profissionais) tem medida pra pegar o peixe, não pode pegar o peixe muito grande […] Quando abrir pra sair pescar, vai estar ruim. O peixe vai estar metade quase tudo morto. E aí, como nós faz? Os cara abre lavoura lá em cima e dê-lhe veneno forte", desabafa.
Veja o vídeo:
O professor da UFMS José Sabino, biólogo e doutor em Ecologia, vê com preocupação a situação no rio Miranda. "Estamos diante de um problema ambiental que demanda por investigação séria", diz Sabino.
A produção da Rádio CBN Campo Grande encaminhou o vídeo para o Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul). A assessoria do Imasul informou que técnicos vão até a região nesta terça-feira (21) coletar amostras de peixes mortos e também da água do rio Miranda, em pelo menos três pontos, para análise laboratorial.
DEQUADA OU DECOADA
O fenômeno natural é comum na planície pantaneira entre os meses de março e abril, e ocorre no período de vazante (recuar das águas) dentro do ciclo de cheia e seca dos rios. Quando as águas do período de cheia encobrem as pastagens e parte da vegetação submersa em lâminas d'água muito rasas entra em decomposição.
À medida que aumenta o nível de inundação, 'essa matéria orgânica é levada pela correnteza para rios, baías e corixos, onde esse acúmulo de material em decomposição na água é tão intenso que reduz o oxigênio dissolvido nos rios e libera o dióxido de carbono livre (CO2 livre). Dessa forma, com o nível de oxigênio reduzido, os peixes não conseguem sobreviver.
De acordo com informações da Embrapa Pantanal, que há várias décadas acompanha o fenômeno, decoada ou dequada é um evento anual de alteração natural da qualidade da água durante a fase hidrológica de enchente, cuja intensidade varia de acordo com o clima e os padrões de inundação anuais. Dependendo da intensidade e do tempo de duração do fenômeno, toneladas de peixes podem morrer 'sufocados'.
Dados de monitoramento da qualidade de água, informações de técnicos e moradores da região coletados entre os anos de 1988 e 2011 revelaram que os eventos de decoada foram observados desde Cáceres, ao Norte, até Porto Murtinho, ao Sul, sendo de alta intensidade no rio Paraguai, principalmente abaixo de Bela Vista do Norte.
No rio Cuiabá, os eventos são comuns desde Porto Cercado até a sua foz com o rio Paraguai, considerados de média a alta intensidade. No rio Taquari, os eventos foram considerados de baixa intensidade, sendo mais intensos somente próximo ao Paraguai-Mirim. No rio Miranda, a decoada pode ser observada desde a foz do rio Aquidauana até a confluência com o rio Paraguai, mas é no Passo do Lontra onde a intensidade pode ser alta a ponto de afetar os peixes.
As lagoas (baías) Uberaba e Gaíva seriam os locais com menor probabilidade de ocorrência dos eventos de decoada. Já as baías Vermelha, Castelo e Tuiuiú, na área de alta inundação, são os locais onde eventos com alta frequência e intensidade foram registrados, ocorrendo anualmente.