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O Ferro e a Cerveja

Leia artigo publicado no Jornal do Povo deste sábado

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Quem alguma vez ouviu falar em esquentar a cerveja para poder tomá-la? E não me torça o nariz não. Kkkkkk. Pode pensar que aí é o cúmulo do absurdo, mas vamos expandir a mente comigo: moramos num país tropical, numa cidade que é praticamente uma panela de pressão no fogo, de clima quente e úmido. Só de pensar em cerveja quente a boca se torce, a careta aparece e a barriga perece – no banheiro. Kkkkk. Mas como esse mundão não é o mesmo para todos – Viva as zonas climáticas que nos dão férias dos climas quentes ou frios! – existe uma parcela da população que mora em regiões de frio intenso, e precisam, sim, esquentar a cerveja. Lá vem você pensando em despejá-la em uma panela e levar ao fogo igual se esquenta um leite ou uma água para passar um café… Vem comigo que te exxxxplico!

A técnica se chama Bierstachel (lê-se: bier xitárrel), palavrinha em alemão que significa bier=cerveja, stachel= espeto, agulhão ou algo assim) e surgiu na Idade Média muito provavelmente com os ferreiros, profissão que era muito valorizada na época. Então eu imagino a seguinte cena: Era uma noite muito gélida, e os ferreiros estavam terminando o expediente. Então, resolveram pegar uma jarra de cerveja para se alimentar, e um deles começou a sentir muito mais frio do que antes, já que estava consumindo uma bebida gelada em vez de um chá quentinho para ajudar o corpo a manter uma temperatura agradável. Então, ele reclamou:
 _ Poxa, isso aqui tá muito gelado.

E viu que ali perto havia um pedaço de ferro esquecido na fogueira, quase vermelho flamejante. Imediatamente teve a ideia de pegar aquele pedaço de ferro e mergulhá-lo no copo por alguns segundos e … voilà! A cerveja se caramelizou, a espuma cresceu como num passe de mágicas, o aroma se defumou. E ao colocá-la na boca, percebeu que a espuma estava morna e a cerveja ainda se mantinha fria, mas não gelaaada. Peeensa numa sensação de morno e frio ao mesmo tempo na boca! Logo a moda pegou e essa técnica vem sendo espalhada pelo mundo afora desde então. 

Inclusive, isso me faz lembrar das cervejas de pedra, as famosas Steinbiers. Começando também na Idade Média, no sul da Áustria, ali do ladinho da Alemanha. Durante a produção da cerveja, para que o processo de fervura acontecesse, pedras superquentes eram mergulhadas no mosto. Alguns fazendeiros produtores de cerveja ferviam o mosto mergulhando essas pedras aquecidas a temperaturas muito altas. Como resultado, obtinha-se uma cerveja caramelizada, defumada e adocicada. Hoje em dia podemos encontrar algumas Steinbiers no mercado, cuja cervejarias resgataram essa técnica medieval que se extinguiu por volta de 1917.

Quanta história podemos aprender degustando uma cerveja, não é mesmo? Estou aqui, com a minha Bierstachel, pensando no primeiro ferreiro que inventou o ferro na cerveja, se ele alguma vez imaginou que sua técnica se perpetuaria pelo mundo, chegando em 2023, numa cidadezinha chamada Três Lagoas, queeeente da pega, mas que nos raros dias de frio, podemos reviver seu legado aqui no Beer Prosaz. 

Flávia de Souza
Sommelière de Cervejas no Beer Prosaz