Bate aquela friaca e todo mundo já escolhe qualquer outro tipo de bebida, meeeeenosss a cerveja. A cerveja que te acompanhou durante todo o verão, que saciou a sua sede nos dias de “lua”, que refrescou sua garganta quando o sol estava de “estalar mamona”, quando dava pra “fritar um ovo no asfalto”. Pois hoje, venho te fazer esta súplica: Não abandone a cerveja nos dias de frio. Ela não abandonou a humanidade durante um dos invernos mais rigorosos na Europa!
Vou te contá uma coisa.
Imagine um dia escuro, cinzento, lá em meados de janeiro de 1823. A neve caía de mansinho e incessantemente. Todos andavam cobertos por grossas roupas felpudas e quentinhas. Alguns, menos corajosos, nem andavam pelas ruas, pois o frio havia congelado toda a região da Baviera.
Pensa numa friaca de tremer o queixo.
Ao tardar na noite, um acidente aconteceu. Um incêndio começou no meio de um espetáculo no Teatro Municipal de Munique, na Alemanha. Imagine o corre, corre pra buscar água de um local mais próximo, e descobrir que água estava… congelada. Como será que apagariam o incêndio?
Eis que bem perto dali, a quase 350 metros de distância, havia uma cervejaria linda, maravilhosa, muito querida, a Cervejaria da Corte, com seus milhares de litros de cerveja estocados em barris. A solução mais rápida e efetiva não poderia ter sido diferente: apagar o fogo usando os barris de cerveja. Ao furar e abrir os barris, a cerveja saia com aquela pressãozinha básica, e a espuma que formava naquela loucura de jato de cerveja ajudava a conter o fogo.
Nesse dia memorável de inverno, a cerveja foi sacrificada e entrou para a história.
Apesar do fogo contido, o Teatro não teve jeito. Inaugurado em 1818, tão novinho, acabou ficando destruído. E demorou dois belos anos para que ele fosse reformado e abrisse as portas novamente em 1825, sendo palco para diversas óperas até que, em 3 de outubro de 1943 seria destruído novamente por bombardeios da Segunda Guerra. Eita Pega.
Assim como a própria cervejaria que havia acabado com o tal incêndio também foi bombardeada no ano seguinte, em 1944, restando apenas parte de um de seus salões.
O trabalho agora seria mais árduo. Só em 1952 conseguiram construir uma espécie de tenda de festa, o que, podemos dizer, já era os primeiros indícios do Oktoberfest como o conhecemos hoje.
E só em 1958 que a Cervejaria da Corte abriria suas portas novamente com um salão de festas completamente renovado.
Que suador que me deu agora. Tirei até meu casaquinho que estava usando nesses míseros 21ºC.
Constrói, destrói, constrói, destrói, constrói, destrói. Constrói.
E eu reclamando porque tive que quebrar o piso do corredor da minha loja de cervejas pra desentupir a caixa de esgoto. Ah, vá.
Quebrei e refiz em 1 dia. 1 dia!
Bom, volto a repetir: Beba cerveja nos dias de inverno em homenagem a tudo o que ela representa para a humanidade. Quem me acompanha aqui no jornal sabe que ela já livrou muitos da diarreia, já saciou a fome de outros durante a Quaresma…
E eu estou aqui para te mostrar uma seleção de estilos que te ajudam a aquecer neste friozinho.
Uma boa cerveja mais escura, por exemplo, estilo doppelbock com seus 10% de teor alcóolico aquece o paladar e a alma de qualquer ser vivente. Harmonizando então com comidas mais pesadas como carne suína assada, carne de javali, ou um Goulash, que é carne bovina picada e cozida com um molho caprichado, fica divino! Pra finalizar um crème brulée, por que não? Então sim, doppelbock com sobremesa também.
Vamos aproveitar que as roupas são mais folgadas no inverno, como casacos e moletons, pra enfiarmos “o pé na jaca” só um pouquinho quando o assunto é comida, né.
Ou o estilo Dubbel, com seus 7% de teor alcóolico, da cervejaria da Ordem dos Trapistas, fundada em torno de 1884, que vai muito bem com queijos mais fortes, ou carnes grelhadas.
Ou até mesmo uma Russian Imperial Stout, também bem encorpada que a cada gole te aquece e te faz corar.
E a lista de estilos para o inverno é grande… Portanto, repito: cerveja e frio – tudo a ver.
Por Flávia de Souza – Sommelière de Cervejas no Beer Prosaz