Um dos grandes males que acometem o país é nossa negligência à Matemática. Nestes tempos em que a análise de dados e de informação – big data, mineração de dados, aprendizado de máquinas, etc. – ganha papel cada vez mais estratégico, no contexto da chamada 4ª Revolução Industrial, há uma elevada valorização do profissional com domínio das ciências dos números, com bom expediente e tirocínio lógico, o denominado “resolvedor” de problemas.
No entanto, são sobejamente conhecidos os resultados pífios de nossos discentes em avaliações nacionais e internacionais. Para não sermos enfadonhos – embora sejam dados cruelmente verdadeiros –, vamos focar em apenas dois exemplos: no último Saeb (prova aplicada pelo INEP/MEC para estudantes de escolas públicas em praticamente todos os municípios brasileiros), constatou-se que apenas 9,1% dos concluintes do Ensino Médio apresentaram aprendizado adequado dos conteúdos de Matemática; por sua vez, no último Pisa, que avalia adolescentes de 15 e 16 anos de 78 países, mais uma vez o Brasil se manteve na rabeira, mais precisamente na 72ª posição em Matemática, sendo o último colocado da América Latina. Ademais, 68,1% dos nossos jovens estão no pior nível de proficiência, não atingindo o nível básico mínimo em Matemática, que é tido como condição basilar para o adequado exercício da cidadania.
Nossa cultura pouco valoriza o aprofundamento, o conteúdo clássico, a têmpera racional, o esforço, o mérito e o bom rendimento acadêmico. E defrontar-se com uma tarefa mais complexa faz bem aos neurônios e desenvolve a autoconfiança para superar outros desafios. Todo o esforço mental para entender um texto mais complexo, resolver um problema difícil ou mesmo praticar uma atividade lúdica que demanda concentração (como xadrez, sudoku, games) promove benfazejas sinapses entre os neurônios. Estimular o raciocínio dedutivo nas crianças e adolescentes deve ser uma das mais relevantes tarefas dos pais e professores.
Isto posto, o que podemos fazer? É obvio que não há solução mágica, é step by step (degrau por degrau). Como bem ensina a Matemática, não se aplica a fórmula de Bhaskara em todas as equações do 2º grau sem antes percorrer o longo caminho de aprendizado dos números fracionários, da potenciação, da radiciação, etc. Destarte, uma mudança cultural de valorização da Matemática é um itinerário que exige aplicação e pertinácia. Mas, se outros países conseguiram, por que não o Brasil?
Um dos primeiros passos – embora outros sejam necessários – é desmistificar a Matemática como bicho-papão, ciência abstrata, sinistra, lúgubre. Amar a Matemática é uma decisão: basta nela se debruçar, se aprofundar, o que requer esforço mental e disciplina. E isso deve começar desde cedo, pelas crianças, porque nelas o gosto pela Matemática é imanente. Ajuda demais quando se tem um professor com boa didática e paixão, pois quem leva ojeriza e preconceito na cabecinha delas são os adultos. É frequente que a professora não demonstre nenhuma empatia por este nobilíssimo componente curricular, até porque em muitos casos fez o Curso de Magistério ou de Pedagogia justamente para fugir dos números. Por vezes, é a mãe ou o pai quem costuma repetir em casa expressões como “eu nunca gostei de Matemática”.
Em sentido oposto escreveu um diretor de escola de Singapura: “Nossas professoras primárias são apaixonadas pela Matemática”. Esta ilha asiática tem obtido resultados espetaculares tanto no Pisa como na Olimpíada Internacional da Matemática. É estimulante lembrar que se tornou um Estado independente do domínio britânico em 1965, sem recursos naturais, cuja população era majoritariamente analfabeta, pobre ou miserável. Alternativa encontrada: educação de qualidade àquela população formada essencialmente por imigrantes indianos, chineses e malaios. Com professores bem qualificados, a principal tônica do currículo foi a elevada exigência em Matemática.
Outros países que compõem o cortejo de nações com bom desempenho em avaliações internacionais têm uma boa história de superação, pois, no início dos anos de 1970, muitos de seus indicadores econômicos e sociais eram até inferiores aos do Brasil, como por exemplo Coreia do Sul, Vietnã, Estônia, Polônia, Japão e China, parte deles destroçados por guerras. Têm em comum o reconhecimento do professor como uma joia, tanto por parte da sociedade como dos governantes. Entendem que é a profissão mais importante para moldar as futuras gerações, sendo o compromisso primeiro desses profissionais ministrar um bom conteúdo curricular. Para nosso alento, temos muitos vocacionados no magistério, apesar do pouco que a nação e a sociedade lhes oferecem, e o que os motivam são a paixão e o entusiasmo. Que esta paixão se explicite à Matemática também.
*Jacir J. Venturi, formado em Matemática e Engenharia, autor dos livros Álgebra Vetorial e Geometria Analítica (10.ª edição) e Cônicas e Quádricas (6.ª edição). É membro do Conselho Estadual de Educação do Paraná (CEE/PR). Foi professor e diretor de escolas públicas e privadas.