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Três Lagoas

?PEC-37 não aumenta impunidade?, diz delegado

De acordo com delegado, é possível realizar um trabalho de investigação em conjunto com o Ministério Público

Delegado Vitor José Fernandes Lopes -
Delegado Vitor José Fernandes Lopes -

Delegado há quase 30 anos em Três Lagoas, Vitor José Fernandes Lopes não só afirma que a PEC-37, projeto que visa retirar dos Ministérios Públicos o poder de investigação, não aumentaria a impunidade no Brasil, como também faria cumprir o que determina a lei. De acordo com o titular da Delegacia Regional, é possível realizar um trabalho de investigação em conjunto com o Ministério Público. Ele descarta ainda qualquer possibilidade de “afrouxamento” em relação aos políticos. Além disso, Lopes também abordou a falta de efetivo da Polícia Civil e a existência de projetos que não se concretizaram por conta desse problema, como é o caso da Delegacia de Defesa da Criança e do Idoso. 

JP: Atualmente, uma Proposta de Emenda Constitucional, a PEC 37, que visa restringir a ação do Ministério Público, tem gerado bastante discussão em todo o Brasil. Como o senhor avalia isso?
Delegado Vitor José Fernandes Lopes: A PEC-37 nada mais é do que a reafirmação do que está na nossa Constituição Federal, a nossa lei maior, ou seja, reafirmar o papel da polícia e do Ministério Público. O que se busca é fazer cumprir o que está previsto na nossa Constituição, na qual estão delimitadas todas as atividades dos organismos públicos brasileiros e, dentre eles, as das polícias Civil e Federal, que são polícias judiciárias, encarregadas de fazer as investigações, e do Ministério Público, que tem por função fazer o controle externo das polícias judiciárias. Com esse controle, de certa forma, ele já participa de forma efetiva das investigações, pois pode requisitar a instauração de inquérito policial, ou seja, pode determinar que se investigue A ou B. Pode se manifestar sobre prazos e analisar os inquéritos após concluídos e até solicitar novas investigações. O que se pede com a PEC é a exclusividade da investigação para as polícias judiciárias.


JP: Caso aprovada, a PEC não aumentaria o trabalho da Polícia Civil?
Delegado Vitor: Não, pois é a mesma atividade. Continua do jeito que está. Na realidade, o que vem acontecendo é que o Ministério Público faz, paralelamente, a sua investigação sem a Polícia Civil. O que nós queremos é que se cumpra a lei que diz que é papel da polícia investigar. Tem sido propagada a ideia de que seria a ‘PEC da Impunidade’, mas não é verdade. Ninguém vai deixar de ser investigado e ser responsabilizado criminalmente pelos seus atos. O que a PEC determina é uma correção quanto à forma que vêm sendo feitas essas investigações. A Polícia Civil e a Federal continuarão investigando conjunta ou separadamente do MPE. Mas, para isso, tem que haver o organismo responsável pela investigação. 


JP: Um dos principais questionamentos dos que são contra a PEC-37 está ligado à investigação dos chamados “crimes de colarinho branco”. A Polícia Civil pode investigar esses casos ou é apenas a Polícia Federal?
Delegado Vitor: As duas polícias tem competência e podem investigar casos dessa modalidade.


JP: Mas, raramente nós vemos a Polícia Civil atuando nesses casos. Por quê?
Delegado Vitor: Justamente por isso. Ou o Ministério Público está fazendo por conta, o que é uma distorção, ou o MP nos encaminha e a gente faz. Mas, repito: a competência da investigação na área criminal é da Polícia Civil. Uma das alegações é de que a Polícia Civil irá investigar o Estado, por exemplo, já que somos vinculados. Mas nada impede que façamos juntos, com respaldo do Ministério Público se houver dúvida de inibição. Não tem problema. Outra coisa, o nosso trabalho vai para as mãos do MP. Então, se, por ventura, houver algum tipo de favorecimento ou alguém que foi poupado, eles [promotores de Justiça] analisarão e vão nos mandar de volta mandando indiciar. Por isso eu digo que o MP já investiga. Já existe essa prerrogativa. Eles participam não apenas com pedidos, mas com requisições. Requisitam diligências, novas provas, etc., e a gente vai fazendo o que nos é determinado.


JP: E qual o papel da Gaeco?
Delegado Vitor: A Gaeco é um órgão do Ministério Público que conta com a força policial, das polícias Civil e Militar. Mas, quem comanda são os promotores. Outra alegação é a falta de estrutura da Polícia Civil. Ora, se ela não tem efetivo para investigar, muito menos o Ministério Público. Os servidores não têm formação técnica para investigar. A Polícia Civil investiga há 200 anos. O Ministério Público se enveredou nessa área de investigação há dez anos. Então, quem tem mais experiência? Além disso, o MP não tem controle externo, como nós temos. Isso é uma temeridade. Com a PEC, vamos passar a atuar de forma conjunta. Quantos casos nós já não vimos de delegados e promotores trabalhando juntos? Não vai ser deixado de ser feito o trabalho, mas o delegado tem que estar junto. É isso que queremos com essa PEC.


JP: Quais as áreas de atuação da Delegacia Regional, com sede em Três Lagoas?
Delegado Vitor: Além de Três Lagoas, as cidades de Selvíria, Brasilândia, Água Clara e Santa Rita do Pardo.


JP: Como o senhor avalia o movimento grevista na Polícia Civil. Existe essa possibilidade em Mato Grosso do Sul?
Delegado Vitor: Na realidade, esse movimento é organizado pelo Sindicato dos Policiais Civis, que não abrange os delegados. É um movimento lançado pelos escrivães e investigadores de polícia. As reivindicações desses policiais são justas. Eu só fico apreensivo com a possibilidade de deflagração de greve, prevista para o dia 2 de maio. Entendo que o melhor caminho seria o diálogo entre o governo e esses policiais para chegar-se a um consenso e colocar um fim nesse movimento.


JP: Hoje, a Delegacia Regional consegue atender bem a todas as cidades?
Delegado Vitor: Atualmente, nós estamos enfrentando um sério problema em relação a efetivo. Temos cidades, como Água Clara, em que tenho somente dois investigadores de polícia. Com isso, é humanamente impossível dar conta de tantas atribuições, como investigações, registro de ocorrências, atendimento na Cadeia Pública, o que realmente nos exige muito, já que a lei determina que os presos tenham direito a banhos de sol e atendimento às famílias, advogados, etc. Além disso, diferentemente de um presídio, onde um agente penitenciário é preparado para estas funções, o investigador não possui treinamento técnico para isso. As cadeias públicas das delegacias também não contam com estrutura necessária, como assistentes sociais, psicólogos, entre outros profissionais.  Hoje, enfrentamos esse problema, o que atrapalha muito o trabalho dos investigadores da polícia judiciária.


JP: Além desses desvios de função, nós temos ainda um grande déficit de delegados em todo o Estado. Como está essa situação na Delegacia Regional?
Delegado Vitor: Na minha Regional, nós não temos delegados de polícia na cidade de Santa Rita do Pardo. O município é atendido pelo delegado de Brasilândia. Com isso, não temos uma presença diária de uma autoridade policial naquele município. Já em Três Lagoas, o nosso quadro de delegados é suficiente para atender ao grande volume de trabalho da Polícia Civil. No entanto, se eles não tiverem os auxiliares, que são os escrivães e os investigadores, a atuação do delegado também fica prejudicada.


JP: Hoje, qual a carência de agentes e escrivães em Três Lagoas?
Delegado Vitor: Todas as delegacias estão deficitárias. O que nós precisávamos éramos de condições suficientes para que cada delegacia pudesse realizar suas investigações. Hoje, não temos isso. A DIG [Delegacia de Investigações Gerais] seria um setor da Polícia Civil que daria suporte às outras delegacias nos casos mais graves. Mas, como hoje elas não investigam por falta de gente, todos os casos são canalizados na DIG. Com isso, congestiona-se o serviço e temos de selecionar os casos mais graves que serão investigados primeiro.


JP: Mesmo com a DIG tendo perdido alguns policiais, o senhor confirma isto?
Delegado Vitor: Inclusive escrivão. Hoje, a DIG está sem escrivão porque o sindicato exigiu o cumprimento do horário de folga da nossa legislação e a gente teve que tirar esse pessoal das delegacias e colocar no plantão, na DIG e na 2ª DP. 


JP: Existe perspectiva de abertura de concurso público para a Polícia Civil?
Delegado Vitor: Houve publicação de concurso para delegado de polícia. As inscrições já foram encerradas, inclusive. Mas a data da prova foi adiada por uma falha no edital e ainda não foi definida. Porém, deve acontecer logo. Estamos torcendo para que, após o concurso dos delegados, outras carreiras como escrivães e investigadores também sejam contempladas com concurso público.


JP: Falando em estrutura da Polícia Civil, há algum tempo o senhor anunciou a intenção de implantar uma Delegacia Especializada da Infância e do Idoso? 
Delegado Vitor: Quando eu fazia parte do Conselho Superior da Polícia Civil, do qual agora eu pedi renúncia por incompatibilidades com o meu trabalho em Três Lagoas, entrei com pedido de instalação dessa delegacia especializada no município. Afinal, nós já temos em Corumbá e em Ponta Porã e porque não ter em Três Lagoas também? Nós iríamos utilizar, na época, a mesma estrutura da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher [Dam]. Hoje, a mulher tem um atendimento diferenciado e nós pretendíamos que crianças, adolescentes e idosos vítimas de eventuais crimes também tivessem esse benefício. Conseguimos a aprovação de forma unânime do Conselho. Essas delegacias já são criadas no regimento interno da Polícia Civil de todos os estados, mas não são instaladas. No entanto, até hoje não foi criada. Eu não sei informar o motivo disso, já que foge da alçada da Polícia Civil e envolve a Secretaria de Segurança Pública e governo do Estado.


JP: Qual a colaboração dessas delegacias especializadas no trabalho da Polícia Civil?
Delegado Vitor: Elas oferecem ao público um atendimento especial, com assistentes sociais e psicólogas. Seria um atendimento completo às vitimas da violência. É uma pena que nós não conseguimos implantar esse projeto efetivamente no município. Mas quero crer que, fatalmente, um dia, teremos de ter uma delegacia dessas em Três Lagoas. Hoje, realmente, com o efetivo que temos, ficaria difícil aumentar o número de delegacias, pois seria um elefante branco. Quando foi implantada a 3ª Delegacia de Polícia, tivemos que remanejar policiais para atendê-la. Com isso, houve uma pulverização dos nossos agentes e nós sabemos que no Estado também não há policiais para serem remanejados. No entanto, eu quero crer que, com o concurso público, o qual deverá ser anunciado logo, teremos, não só condições de melhorar o serviço das unidades existentes como também criar a Delegacia de Defesa do Idoso, da Infância e do Adolescente, que é um anseio da sociedade.


JP: E as obras do 1ª DP? Como estão, delegado?
Delegado Vitor: Acredito que mês de maio deverão ser concluídas. 


JP: Mudando de assunto, recentemente, vimos a ação do crime organizado em Três Lagoas que resultou na morte de um policial militar aposentado. Hoje, qual a influência dessas facções no município?


Delegado Vitor: É forte. Realmente, os marginais mais perigosos têm algum tipo de relacionamento, de contato, com o crime organizado em Três Lagoas. Por isso, é muito forte a influência dessas facções sobre os bandidos, principalmente naqueles que atuam em crimes mais violentos, como assaltos etc.


JP: Quando se começou a ouvir sobre o crime organizado em Três Lagoas?
Delegado Vitor: Começou há dez anos, aproximadamente, e foi crescendo gradativamente. 


JP: Nós estamos falando de uma única fação ou existem outras?
Delegado Vitor: Ideologicamente, trata-se de uma facção. Mas, dentro dela, existem ramificações. Existem líderes regionalizados que comandam vários marginais, quer do interior, quer do exterior da cadeia, e aqueles que se dispõem em acompanhar esses pessoal têm suas obrigações para com a organização. Por exemplo, levantar dinheiro. Para quê? Para pagar advogados para aqueles que estão reclusos ou ajudar a família de um preso. E de que forma eles vão levantar dinheiro? Não é trabalhando, é assaltando, roubando ou traficando.


JP: Como o senhor avalia o trabalho das polícias na operação para prender os assassinos do policial aposentado Otacílio?
Delegado Vitor: Foi uma operação efetiva, com atividade intensa e com apoio externo, de Campo Grande, sem o que tudo ficaria mais difícil. Da parte da Polícia Militar, veio a Cigcoe, e da Polícia Civil, o Garras. Nessa troca de informações, foi montando o quebra-cabeça para chegar à identificação de todos os responsáveis pelo crime. O inquérito já foi concluído e os suspeitos tiveram a prisão preventiva decretada. 


JP: O que significa, para a polícia, ver esse trabalho concluído?
Delegado Vitor: Demonstra efetivo combate ao crime e uma pronta resposta a esses marginais que estavam ousando demais, ao ponto de querer atacar a própria polícia. Se eles têm essa ousadia contra a polícia imagine do que seriam capazes contra o cidadão comum, que não exercem atividade policial e são protegidos por essas polícias.