Apaixonado por motos desde os 14 anos, o promotor de Justiça Antônio Carlos Garcia de Oliveira, da Promotoria de Meio Ambiente, fala sobre o sua paixão pelas máquinas em duas rodas, desde o início, com revistas especializadas, até hoje, com nada menos que oito máquinas potentes na garagem. Para o promotor, a moto é uma companheira e também um remédio para os o estresse. No entanto, ele explica que, no Dia do Motociclista, comemorado nesse sábado, o motociclista brasileiro tem pouco, ou quase nada a comemorar. Principais vítimas de acidentes de trânsito, segundo o promotor, a categoria é uma das que mais sofre com a falta de investimentos em engenharia de trânsito do país e por leis feitas “por gente que não entende de moto”. Antônio Carlos é um dos idealizadores do principal evento de motos da região, o Motoshow, que vai para a 12ª edição neste ano.
Três Lagoas
Promotor fala de paixão por motocicletas
?A motocicleta é uma companheira, que não reclama de nada?, disse Antônio Carlos
Jornal do Povo: No dia 27 é comemorado o Dia do Motociclista. O senhor acha que a categoria tem muito a comemorar?
Antônio Carlos Garcia de Oliveira: Penso que não. As autoridades públicas ainda não descobriram a gente. Ainda não descobriram que a moto é um veículo, considerado assim pelo código de trânsito. Tanto que eles vão fazendo ruas do jeito que dá na cabeça, ruas estreitas, sarjetas consideradas perigosas, bueiros mais baixos que a rua, olhos de gatos que podem causar acidentes, quebra-molas irregulares . Então, a gente nota que a situação é bastante crítica e existe uma postura contra o motociclista. A verdade é essa. Esses Guard Rails de estradas são matadores. São verdadeiras armas letais.
JP: Em Três Lagoas, sabemos que existe um conflito grande entre carros e motocicletas, sendo os motociclistas as maiores vítimas. O que poderia ser feito para melhorar o fluxo de motocicletas?
Antônio Carlos: Isso depende muito de estudos. Mas, talvez a implantação de faixas exclusivas. Hoje, na Europa existem faixas para parar as motocicletas na frente dos veículos, nos semáforos, o que seria uma boa alternativa. Em São Paulo, por exemplo, foram implantados alguns corredores, que são essas faixas exclusivas, lá não tem dado muito certo não. Mas penso que seria interessante. A melhoria do asfalto ajudaria bastante. O piso é de má qualidade hoje, o que gera acidente. Além disso, temos a ausência de faixas de sinalização. Agora estão pensando, mas deverão durar pelos próximos 20 dias, [problema] que eles falam que é por conta da areia. Também pintam com cal.
JP: A gente sabe que existe muito preconceito com o motociclista. Afinal, existe diferença entre motoqueiros e motociclistas?
Antônio Carlos: No começo, todo mundo era conhecido como motoqueiro. A gente era chamado assim: ‘Olha o motoqueiro vindo ali’, diziam. E não ligávamos para isso. Com a criação de essa série de leis sobre motos, eles passaram a classificar como motociclista o motoqueiro. Então, percebemos que havia uma diferença. Com o passar do tempo, a gente passou a designar o motoqueiro como aquele descumpridor da lei, aquele que anda com o capacete sem fivela, que anda pela direita. O sujeito que não respeita o sinal vermelho, que empina a motocicleta pela rua. Então, criou-se esse estigma. Agora, quando falam “olha o motoqueiro”, é desse sujeito que estamos falando. Enquanto que o motociclista passou a ser o bonzinho, e o motoqueiro o ruinzinho [risos].
JP: E aqui em Três Lagoas, existem mais motociclistas ou motoqueiros?
Antônio Carlos: Mais motociclistas, sem sombra de dúvidas. Muitos motociclistas. Mas uma quantidade expressiva de motoqueiros, principalmente aqueles que utilizam a moto para o trabalho. A gente percebe que as empresas não estão dando a devida atenção com os seus motoqueiros. Há entregadores de comida, pizza, o cachorro, o gás, os moto taxistas andam em alta velocidade e colocando a própria vida e a vida dos outros em risco. Para você ver a quantidade de acidentes que temos na cidade. Três Lagoas é um dos poucos lugares em que vejo acidente de moto com moto. Nunca vi isso na minha vida. Moto batendo em moto na esquina.
JP: O que chama a atenção no caso da motocicleta, é que ela é a parte mais fraca em um acidente, em que os condutores estão mais expostos. O senhor concorda?
Antônio Carlos: O motociclista é a maior vítima e, muitas vezes, ele não se preocupa com isso. Ele imprime velocidade em ruas movimentadas, como Paranaíba ou Bruno Garcia, chegando a 80 km por hora. Se alguém cruzar o caminho, morre. Mesmo de alto custo, os capacetes protegem até um certo limite. Não temos capacetes para suportar altos impactos.
JP: Recentemente, em entrevista ao programa RCN Notícias, da rádio Cultura FM, o senhor criticou um projeto de lei que exigia o uso de coletes com airbag para motociclistas. Gostaria que o senhor comentasse esse assunto.
Antônio Carlos: Esse equipamento já existe, e é caríssimo. Agora, existe um projeto na Câmara [dos Deputados] para tornar esse equipamento obrigatório. São tantos os projetos absurdos que são feitos lá. Por exemplo, tem outro projeto para colocar placa na frente da motocicleta, sobre o para-lama. Existe projeto para tornar obrigatório o uso de colete refletivo, ou seja, se você for à praia, vai ter que colocar um colete refletivo, se você for dar uma volta, também. Eles querem acabar com a motocicleta. Ninguém vai querer andar de moto. Você acha que a pessoa vai sair de casa para comer uma pizza com coletes refletivos? E também tem esse projeto para o uso de um colete airbag. Então, quando você desata o fio, que é conectado à moto, ele abre.
JP: Quanto custa um equipamento desse?
Antônio Carlos: Custa R$ 1,8 mil. Enquanto isso, a motocicleta usada custa R$ 3 mil. Não existe a mínima possibilidade de o motociclista, ou a maioria deles, ter um equipamento desse. Hoje, quem anda de moto, a financiou. Então, não tem nenhuma condição de o motociclista sair da concessionária com a moto e um colete. O custo é muito alto. Isso mostra que são leis criadas por quem não entende nada de motocicleta. Por exemplo, aqui eles querem proibir a motocicleta de andar pelo corredor, entre os carros. Um projeto de lei de um deputado. A mesma lei existe nos Estados Unidos, onde é multa na certa. Mas as realidades são diferentes. Lá, a motocicleta é objeto de lazer, nem moto pequena não existe. Aqui, a moto é usada para locomoção para o trabalho e no dia-dia. É objeto de trabalho Essa lei, se aprovada, vai criar ainda mais filas de motocicletas na cidade. Imagine uma cidade como São Paulo. Haveria filas de motos de 30 a 40 quarteirões.
JP: Quando surgiu a paixão por motocicletas?
Antônio Carlos: A paixão surgiu aos 14 anos, quando comecei a trabalhar. A partir disse, passei a ter acesso à informação, livros e revistas. Comecei a colecionar revistas de motos e lia tudo sobre motos. Em poucos minutos, eu tinha lido a revista toda. Sou assim até hoje. Essa paixão foi crescendo, ficando mais intensa. Aos 18 anos, comprei minha primeira moto. Era uma Yamaha A1-125. Na época, o gerente do banco ainda me perguntou se eu não queria financiar um carro [risos]. Ele ainda chegou a oferecer mais dinheiro para comprar um carro. Mas eu queria uma moto. Consegui o financiamento, paguei, e depois já consegui outra, de 200 cilindradas, uma RD-200, ano 74. A primeira era de 1971. Depois disso fui aumentando as cilindradas.
JP: Existe uma moto que ainda seja sonho de consumo para o senhor?
Antônio Carlos: Hoje, não. Tenho oito motos hoje [risos]. Uma Harley Davidson modelo FX, ano 2008; tenho uma BMW GS-1200, que hoje é uma das motos mais vendidas para os aventureiros do mundo. É uma moto produzida para aguentar tudo, não cansa. Esse era o meu sonho consumo, e o de qualquer motociclista. É uma das mais caras também, e já saiu até o modelo novo dela, que eu pretendo comprar. Tenho ainda uma Buell, 2008, 1200 cilindradas e uma Suzuki Burgman 400, uma Kawasaki KZ 900, ano 76, comprada e restaurada, e uma Yamaha 175, modelo DT 75, ano 75, também restaurada; uma Yamaha Neo, que é customizada e uma Citycom 300. Eu já tive muitas motos durante toda a minha vida. Além disso, estou construindo uma café racer, que estou construindo.
JP: Essa paixão por motocicletas está relacionada com uma tradição de família.
Antônio Carlos: Aos 18 anos, comecei a fazer as amizades com motociclistas. Encontrar outros que andavam de moto. Isso foi aumentando a paixão, porque a gente começou a viajar de moto, passear, fazer longas viagens, também cheguei a trabalhar com ela. Então, a gente vai ficando amigo da moto. Ela acaba virando uma parceira de estrada, de faculdade, de chuva de frio. Vai namorar com a moto. Conheci minha esposa com a moto. Então, ela vira uma companheira de todos os momentos e o melhor: ela nunca reclama, não chia, não faz cara feia [risos]. Ela participa de todos os momentos da vida da gente, os ruins e bons, feios e bonitos, chuvosos ou não.
JP: É uma válvula de escape, uma forma de extravasar o estresse do trabalho?
Antônio Carlos: Pra mim, a moto sempre funcionou assim. O meu Lexotan [ansiolítico] chama motocicletas. Não tenho vergonha de dizer, eu amo motos. Tenho uma coleção de miniaturas com mais de 380 motos.
JP: Como surgiu a ideia de promover o Motoshow?
Antônio Carlos: Foi um sonho, que se realizou, de promover o encontro de amigos e motocicletas. A primeira festa foi em Cassilândia. Mas, antes disso, a gente já fazia encontros de amigos, em casa, ainda em Cassilândia. Não era encontro de motos, era uma festa entre amigos apenas. Então, passava o dia, levava as motos. A partir de 1984, o mundo motociclístico foi se tornando mais forte, mais aparente. Quando o [ex-presidente] Collor liberou as importações das motos, em 90, foi o grande “boom” dos encontros de motociclistas por todo o país.
JP: E para o Motoshow desse ano, o que esperar?
Antônio Carlos: A nossa intenção é sempre superar a edição anterior. Nem sempre conseguimos, mas buscamos sempre melhorar. Para esse ano, o Motoshow terá algumas novidades. Entre elas, a limusine, que será utilizada como peça de publicidade por um patrocinador, e o Big Foot, que estarão em Três Lagoas na terça-feira, que antecede o Motoshow, no dia 13, para chamar a atenção para campanhas de conscientização no trânsito. Então, o Big Foot estará em vários pontos da cidade, um dia na praça, outro na Lagoa, onde acontecerão as campanhas educativas.
JP: Além dessa campanha, o Motoshow também lançou o “Transbebum” para promover um transito seguro?
Antônio Carlos: A ideia é essa: promover a conscientização e deixar os motociclistas que vieram de outras cidades, seguros, nos hotéis, depois da festa. No entanto, acho pouco provável que esse projeto dará certo. A maioria dos motociclistas não deixa a moto dele pra trás. Ele vai de moto, vai “bom”. Na hora da volta é que ele está “ruim”. A ideia é ajuda-lo na volta. Só não sei se vai funcionar. Mas, de qualquer forma, estará disponível. Só não vai acontecer se o Rotary entender que não é viável.