O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu na quinta-feira, 28 de março, por unanimidade, que é constitucional o sacrifício de animais em cultos religiosos. O caso chegou ao conhecimento da Corte por meio de um recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul contra uma decisão do Tribunal de Justiça daquele estado que autorizou a prática.
O julgado que considerou a prevalência do Direito fundamental a liberdade religiosa em face da proteção do meio ambiente e salvaguarda dos animais, vem, entretanto, gerando intensos debates, especialmente porque ambos os direitos em colisão são fundamentais, com base na Constituição Federal de 1988.
Apesar do clamor dos que defendem essas práticas ritualísticas, o que assistimos na sociedade é uma crescente insatisfação com o que se verifica como maus tratos e crueldade contra os animais. Percebe-se, ainda, que a visão sobre o animal apenas como item de consumo ou ativo econômico nesta cadeia, sem a preocupação com o seu tratamento, vem sendo muito criticada. Isso sem citar o movimento de grupos que defendem a abolição da exploração e consumo animal pelo homem em todas as suas formas.
O que fazer diante disso? Como sabe o interprete da Lei, nenhum direito (salvo raríssimas e discutíveis hipóteses), se revela absoluto. A busca do fundamento absoluto, aliás, como esclarece Bobbio (eminente jurista italiano) é uma ilusão, pois os direitos do homem se revelam com o passar dos tempos, dando concepção à sua importância e fundamentalidade, a partir de cada momento histórico. Evoluindo nestas lições, não se pode afirmar um direito em favor de uma categoria sem suprimir algum outro, do qual se beneficiam outros titulares. Na maioria dos casos a escolha é difícil, gera dúvidas e exige ser motivada.
Dois direitos fundamentais antagônicos não podem ter fundamento absoluto, haverá que se relativizar suas a aplicações para que os valores consagrados por determinada sociedade, e consolidados por sua Constituição, não tenham que se sacrificar totalmente um em prol do outro, e isso é feito através de concessões recíprocas e da técnica de ponderação de direitos.
Para melhor ilustrar, é importante lembrar que ao longo da história humana, em diversas culturas, o sacrifício de animais em rituais espirituais já foi algo comum. Muito diferente do que temos a partir do século 20, cuja defesa do meio ambiente (fauna e flora) se elevou a nível de direito transnacional e passou a fazer parte da agenda global, sobretudo após importantes conferências internacionais nas décadas de 1980 e 1990. No Brasil, pela Constituição de 1988, a proteção deste bem foi elevada a direito fundamental das presentes e futuras gerações.
Voltando a atenção ao caso julgado pelo Supremo, temos dois direitos em confronto: Liberdade religiosa X Proteção dos animais. E embora não totalmente extinto, ao menos um deles precisa ser relativizado. Mas qual? A resposta que nos foi dada através deste julgamento do STF foi a da proteção do animal, ante o argumento de que as liturgias religiosas devem ser garantidas, pois amparadas na Constituição, e de que os animais sacrificados não estariam sendo submetidos à crueldade.
A decisão, todavia, se por um lado garantiu a liberdade de culto de certas religiões, em destaque as de matriz africana (historicamente marcadas pela intolerância e perseguição), por outro não deixou de incomodar fortemente a consciência de grande parte da sociedade e operadores do Direito, os quais defendem a prevalência do meio ambiente ecologicamente equilibrado, com a proteção da fauna contra práticas que possam ser cruéis, e enxergam esse julgado como um verdadeiro retrocesso.
Izadora Luiza Pontes
*É advogada e consultora jurídica.