Não é de hoje que a volta às aulas se torna um memorial de emoções: seja para os familiares, seja para os estudantes e, sem dúvida, para os professores e demais membros da comunidade escolar. Cada início de ano letivo se torna uma experiência única e inesquecível. Dentro desta realidade, em cada etapa de ensino, um cenário se repete em todos os anos. Por exemplo, na educação infantil, o choro e os sinais de medo da criança diante do distanciamento da mãe ou do familiar mais próximo é visto como um padrão. No Ensino Fundamental, nas turmas maiores, é comum a indiferença diante dos comandos a fim de testar o adulto durante os primeiros contatos. No Ensino Médio, os grupos se dividem nas salas e cada qual procura se autoafirmar perante os colegas. E assim, pouco a pouco, cada qual vai se encaixando nesta engrenagem, descobrindo seu lugar e conquistando seu espaço. Em cada etapa de Ensino esta adaptação acontece ao seu modo. Para a presente reflexão, no entanto, sugiro tomarmos como exemplo específico as turmas menores do Ensino Fundamental, os pequenos incipientes do universo escolar.
Findada a euforia do primeiro momento, cessados os choros e as resistências, passo a passo a rotina da escola é retomada e os “pequenos” vão adquirindo autonomia e descobrindo a dinâmica da rotina escolar. Por parte da família – seja qual for sua constituição ou formato –, sempre ressalvando as exceções, é notável que as mudanças de atitudes naturalmente aconteçam, como por exemplo, os que acompanhavam a criança até a porta da sala, agora só chegam até o portão. Um ou outro que fazia questão de conversar com o professor sobre o desenvolvimento do estudante durante a semana, agora só comparece nas reuniões bimestrais. De outro modo, é perceptível que o entusiasmo e o envolvimento com o cotidiano escolar vão perdendo o brilho. Reitero: sempre ressalvando as exceções, mas eis o contexto predominante.
Reverter este cenário de distanciamento e estimular a participação ativa e constante da comunidade escolar no cotidiano de cada unidade, não é algo recente. Tornar a escola um espaço agradável e participativo também sempre esteve presente no planejamento de diretores escolares e de grande parte do poder público. Uns dirão que esta apatia, descompromisso ou aversão ao ambiente escolar é fruto de um fator cultural que perdurará por muito tempo, outros apontarão a negligência assumida ou o acúmulo de funções de muitos pais como fonte do distanciamento.
Outros até veem a escola como uma barreira intransponível, um templo da intelectualidade inacessível à maioria da população e julgam ser este o motivo do ínfimo envolvimento daqueles que não tiveram acesso à formação básica. Mas o que falta para esta tão sonhada quimera deveras acontecer? É possível que a escola se torne um ambiente de colaboração mútua, que o conceito de comunidade escolar seja elevado ao seu real significado?
Seja qual for a vertente do problema, o importante é propor soluções, tendo como pressuposto o entendimento de que todas os motivos acima mencionados são reais e estão desde muito incrustrados na nossa consciência histórica. Assim sendo, pacientemente reflitamos: quais seriam as estratégias para promover um maior engajamento da família com a escola? Sem a pretensão de oferecer “pílulas mágicas” para a solução do problema, eu diria que somente com uma catequese propedêutica sobre as inúmeras possibilidades de contribuição no âmago escolar. É necessário ir além da recepção calorosa, do quadro de boas-vindas, da lembrancinha afetuosa. É preciso que as famílias saibam como podem contribuir ativamente em cada unidade, conhecer os trâmites burocráticos da dinâmica escolar, do fazer pedagógico, das funções administrativas etc. Adotar medidas participativas só será possível se houver um conhecimento destas particularidades. De outro modo, é preciso conhecer para se envolver. Ofereço agora três medidas participativas para nossa cartilha.
Primeiramente, é interessante ressaltar que cada unidade escolar tem características específicas, detalhes que vão desde as etapas de ensino ofertadas até o modelo de gestão aplicado. Tais características são apresentadas em dois documentos basilares e que ficam à disposição para consulta na unidade escolar, são eles: o Projeto Político Pedagógico e o Regimento Escolar. Estes documentos podem ser acessados por qualquer pessoa da comunidade e são decisivos, por exemplo, no processo de escolha da unidade para determinada criança. No Projeto Político Pedagógico, outrossim, é possível consultar os princípios da unidade escolar, sua filosofia de ensino e até mesmo a intencionalidade de suas ações na vida dos estudantes.
Outra medida participativa é compreender a função e a importância da Associação de Pais e Mestres (APM) dentro de uma unidade escolar. Este órgão colegiado visa acompanhar, sugerir e fiscalizar as diversas demandas da escola, sendo imprescindível, por exemplo, na aprovação da utilização dos recursos repassados pelo Governo Federal através do PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola). Costumo dizer que a APM, sem pretensão de medir forças, possui tanto ou mais poder de decisão que a própria diretoria da unidade escolar. Uma APM fortalecida tecnicamente, consciente de suas atribuições e da responsabilidade de suas decisões, torna-se uma forte aliada no desenvolvimento da escola, em todos os seus quesitos.
Por último e não menos importante, considero fundamental conhecer dois elementos da prática pedagógica: a estrutura curricular e o processo avaliativo. Avalio que se os pais ou responsáveis se apropriassem com afinco dos significados destes dois elementos, se os conhecessem com propriedade e detalhamento, muitos dos problemas relacionados à insatisfação com a unidade escolar seriam dirimidos. Quando sabemos o que é necessário que cada criança ou adolescente aprenda em determinada etapa e, aliado ao necessário, quando conhecemos a dinâmica da prática avaliativa, fica bem mais fácil até mesmo compreender e questionar, por exemplo, o porquê de uma nota decair de um bimestre para o outro. Para que isso aconteça de forma satisfatória, é imprescindível, contudo, que as duas partes cumpram o seu papel: seja o professor elaborando critérios claros e objetivos de avaliação, seja os familiares buscando se apropriar destas informações de forma ativa, sugerindo, quando possível, alterações no processo.
Uma coisa é certa: ou a escola deixa de ser compreendida como mero depósito de indivíduos, onde as famílias só comparecem na entrada ou na saída, nas festas abertas à comunidade e na entrega dos boletins, ou continuaremos perpetuando os mesmos fracassos de sempre. É preciso que cada qual assuma seu papel, sem procrastinar. E aí? É possível fazer diferente, buscar o engajamento, assumir posições e decisões ou teremos só mais um ano letivo?
Devair Gonçalves Sanchez
é especialista de Educação
Sec. Municipal de Educação e Cultura (SEMEC) – Três Lagoas/MS