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Três Lagoas está entre as piores do Brasil em desigualdade de gênero

Cidade tem pior desempenho para mulheres no Mato Grosso do Sul, segundo pesquisa

A Delegacia de Atendimento à Mulher registra diariamente uma média de quatro boletins de ocorrência por violência doméstica
A Delegacia de Atendimento à Mulher registra diariamente uma média de quatro boletins de ocorrência por violência doméstica

Um estudo recente da Organização Tewá 225 revelou que Três Lagoas apresenta o pior desempenho para mulheres em Mato Grosso do Sul e figura entre as 13 piores cidades do Brasil no ranking de desigualdade de gênero. O levantamento, referente a 2024, considerou fatores como desigualdade salarial, presença feminina na política, taxa de feminicídio e a proporção de jovens mulheres que nem estudam nem trabalham.

A pesquisa utilizou dados de fontes como IBGE, Datasus, RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) e TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para compor o ranking. Ao longo da semana, os principais aspectos desse estudo, divulgado no mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, serão divulgados no JPNews. Hoje, o foco será um dos pontos mais preocupantes: a violência contra a mulher.

Alto índice de feminicídio e violência doméstica

O estudo analisou a qualidade de vida das mulheres com base em cinco indicadores relacionados ao Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 5 da ONU. Três Lagoas foi classificada como “muito baixa” no ranking geral, refletindo desafios significativos em todas as áreas avaliadas. Um dos pontos mais alarmantes é a taxa de feminicídio no município. De acordo com os dados, a cidade está na “zona vermelha” do ranking, com uma taxa superior a duas mortes por 100 mil mulheres. Cidades que ultrapassam três feminicídios por 100 mil mulheres recebem pontuação zero nesse indicador, demonstrando a gravidade do problema.

Em 2024, quatro mulheres foram assassinadas em Três Lagoas. A Delegacia de Atendimento à Mulher registra diariamente uma média de quatro boletins de ocorrência por violência doméstica. Somente no ano passado, foram quase mil boletins registrados e, em 2024, o número já se aproxima de 300.

Relatos de vítimas evidenciam ciclo de violência

Conversamos com uma mulher de 44 anos que sofreu violência doméstica por 22 anos. Ela relata que o medo e a falta de apoio a impediram de romper o ciclo de violência por anos. “Eu registrei vários boletins de ocorrência, mas não houve resposta. Me senti ainda mais violentada pela falta de apoio. Consegui me separar quando meus filhos ficaram mais velhos e ganhei coragem. Foi na época em que muitas mulheres estavam morrendo em Três Lagoas e a Lei Maria da Penha ganhou mais força.”

Fatores que contribuem para a violência

A professora de Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) – Campus Três Lagoas, Patrícia Helena Milani, especialista em Geografia Urbana e Questões de Gênero, explica os motivos para os altos índices de violência contra a mulher no município.

“Os números alarmantes também se relacionam com a presença da Delegacia da Mulher na cidade, pois isso aumenta o número de notificações. No Brasil, existem apenas 400 delegacias especializadas, e apenas 17% dos municípios do Estado possuem esse serviço. A diferença no atendimento entre uma delegacia comum e a Delegacia da Mulher é fundamental para dar continuidade ao processo de denúncia e oferecer suporte adequado às vítimas.”

A professora ressalta que os casos de violência doméstica são influenciados por diversos fatores, como o machismo estrutural, a dependência emocional e a educação familiar. “Muitas mulheres que trabalham e têm independência financeira ainda permanecem em relações abusivas por conta da dependência emocional e da crença de que precisam de um homem para manter a família.”

Ela também destaca que a educação é essencial para mudar esse cenário: “A criação dos filhos precisa ser repensada. Atitudes simples, como ensinar meninos a realizar tarefas domésticas e desestimular a cultura de que ‘homem não chora’, são essenciais para quebrar o ciclo de violência. Muitos agressores cresceram ouvindo que não podiam demonstrar emoção, e acabam reproduzindo essa violência na vida adulta.”

Necessidade de políticas públicas e conscientização

O estudo da Organização Tewá 225 reforça a necessidade de políticas públicas e ações concretas para combater a violência de gênero. Enquanto isso, especialistas destacam que a educação e a conscientização social são passos fundamentais para mudar essa realidade.