Veículos de Comunicação

Se7e Capa

Assim é Jessane

Descontraída, prestativa, marombeira, emotiva, grata e com planos. Aos 39 anos ela planeja o terceiro filho e novos diplomas

Assim é Jessane

Impossível. Definitivamente, impossível conversar um minuto sequer com ela sem ver um sorriso largo, uma expressão de quem está de bem com a vida e, principalmente, quem se interessa pelo semelhante sem olhar nem distinguir dele alguma diferença. Também é impossível impedir que ela fale do que gosta, o que pensa, acha e até do que não sabe. Ah, e de corrida, então. Não para de falar! E é tão agradável que tornou-se a personagem central de uma entrevista pra lá de agradável. A seguir: Jessane Ribeiro Alves.

Aos 39 anos e cheia de planos para o futuro – o que inclui ter mais um filho – ela é pura energia. “Corri 13 quilômetros, ontem”, conta, como se isso fosse comum a todas as pessoas, se referindo ao que fez um dia antes desta entrevista, nesta semana. E que, ainda, foi trabalhar e que tinha gás para dobrar o plantão.

Jessane é pediatra em uma unidade de saúde em Três Lagoas, trabalha no Hospital Auxiliadora, na UTI neonatal do Hospital Cassems, trabalha em Brasilândia e possui um consultório próprio. Mora com os filhos André Luiz, de 9 anos, e Julia, de 7.

Numa vida corrida de profissional de saúde, ela ainda encontra tempo para… correr. Isso mesmo! Duas, três vezes por semana tira tempo pra correr com as turmas dos grupos Runners Pró-Saúde Três Lagoas, aos sábados, e Caveiras da Cascalheira, aos domingos, com o namorado Wagner Berça. Fora os dias que levanta de madrugada ou estica o final do dia para praticar o esporte que assumiu há pouco mais de um ano, após passar um período pedalando, outro malhando, outro jogando vôlei e outro, na infância, dançando balé. Ah, e ainda frequenta uma academia de ginástica.

Assim, nem é preciso explicar muito para mostrar que ela tem IMC (Índice de Massa Corporal) de 20,5, taxa de gordura de 23,1 e de músculos 32,0. Tudo isso justifica um exame de bioimpedância apontar a idade real do corpo ser de 26 anos. Não era para menos nem mais, né?

Praticante do espiritismo, viajada como poucas de sua idade e carregada de histórias de todos os lugares que conheceu no Brasil e no exterior, ela fala de suas atividades como coisas simples, fáceis de encaixar na vida de qualquer pessoa. “Eu acho que a pessoa tem que se amar. Só assim consegue fazer tudo o que gosta. Eu, por exemplo, sempre disse que queria ser médica. Desde pequena. Eu falava que seria médica e nem imaginava o que isto custaria em todos os aspectos. Mas, porque eu amava isso, atingi meu objetivo”.

“Porque amo ser pediatra… é gratificante ajudar, orientar… Em troca, recebo muito carinho… Olha a mensagem que recebi, nesta semana, da mãe de uma paciente: ‘Obrigada por tudo! Vc acalma tanto meu coração me trazendo tanta paz ? Vc é a pessoa mais especial que já conheci. Sempre será minha melhor. Obrigada por existir’. Não é lindo isso”, diz, apontando para um aplicativo de celular, por onde recebeu o texto.

Mais do que depressa, supera um momento de emoção ao falar da profissão e parte para falar de planos – assim, como se fosse comum, normal a todas as pessoas. “Ah, também sou professora da UFMS [Universidade Federal de Mato Grosso do Sul]. Passar no concurso da UFMS foi uma coisa muito boa pra mim. Poder participar da construção na formação de novos médicos para sociedade é muito gratificante. Estou muito animada!”, revela, acrescentando que colocou no radar um mestrado e um doutorado para os próximos três anos.

PAI VENDEU CASA

Não no fundo dos olhos e sim na superfície de um olhar igualmente elétrico, Jessane deixa transparecer um sentimento especial: a gratidão aos pais. “Meu pai vendeu a casa onde nós morávamos para pagar minha faculdade, na Bolívia (pausa). Ele e minha mãe foram viver em uma casa pagando aluguel para eu poder estudar (pausa). Foi um tempo de muitas dificuldades financeiras (pausa). Mas, eles não desistiram porque queriam que eu corresse atrás dos meus sonhos, dos meus planos. E eu não desisti!”, revela.

A casa ficava no bairro Santo André, zona Norte de Três Lagoas, onde a pediatra três-lagoense passou a infância e a juventude até sair do país para se formar em Medicina.

Essa parte sorridente da vida de Jessane Ribeiro Alves apenas poucos amigos próximos da família conhecem. Bem poucos sabem da perda de um irmão, que não viu ser sepultado, exatamente por falta de dinheiro, enquanto estudava. O pai Jeferson Alves, professor de Educação Física que lecionou em várias escolas de Três Lagoas até se aposentar, e a mãe Sandra Aparecida, passaram juntos estes e outros episódios de dificuldades.

“Meus pais viram que eu tinha um forte desejo de ser médica, porque minha intenção era sempre a de ajudar as pessoas – um desejo íntimo. E fui para fora do país nem mesmo sabendo falar espanhol (língua predominante na Bolívia). Por isso é que digo com orgulho que nasci em um berço de ouro… ouro de amor. Nunca me faltou nada. Principalmente fé, porque meus pais sempre me ensinaram o respeito e a honestidade”.

“Eles juntaram todos os poucos recursos que tinham para investir no meu sonho de estudar. E hoje, graças a Deus, continuo e não pretendo parar”, dispara, abrindo um olhar sorridente, estridente até. “Deus vai me levar além. Eu sei somente em ver que tudo que meus pais puderam fazer e fizeram para investir nos meus sonhos. Isso é uma prova que todos nós podemos chegar a lugares altos e transformar outras vidas, sem medo, porque ele pode roubar sonhos.”

A LUTA NÃO ACABOU!

“Eu nunca tive medo”, dispara, ao falar de planos e mesclar com a batalha pelo diploma e pela especialidade. Só na Bolívia foram cinco anos. Mais um em Campo Grande. Outros três atrás de aprovação do diploma pelo Ministério da Saúde por meio do exame conhecido por Revalida e, ao mesmo tempo, mais dois anos de especialização em pediatria. Traduzindo: Jessane foi para a Bolívia em 1998 e só pôde começar a viver da profissão que abraçou nove anos depois.

Nestas jornadas, rodou praticamente todos os estados do país em busca de chance de ser aprovada no Revalida. “Fui a Bahia, a Rondônia e a todos os estados onde o Ministério da Saúde abriu exame, naquela época, e acabei conseguindo no Ceará”, recorda. “Me orgulho de tudo que posso usufruir hoje porque são frutos do meu esforço, dos estudos e do apoio dos meus pais”.

Sobre o que vem pela frente, não titubeia em olhar pra barriga hoje chapada e reforçar que pensa no terceiro filho. “Formei uma família. Sou mamãe do André Luiz e da Júlia. Digo que esse é melhor amor do mundo porque não existe mais ‘eu’. Somos nós! E sabe eu acho disso? Maravilhoso! Com a maternidade eu me modifiquei diariamente me tornando um ser humano melhor, mais paciente. A maternidade me ajudou até na profissão. Sempre me coloco no lugar das mamães que me procuram”, revela.

PROJETOS SOCIAIS

Quem pensa que a vida de Jessane é corrida está correto! E é mesmo! Mas, ainda com tempo para participar do grupo “Amigos da Sopa”, da Igreja Santo Expedito, na distribuição de comida à população carente “com objetivo de levar esperança”. A capela fica na divisa entre o Jardim Capilé e o das Violetas, na zona Oeste da cidade, uma das regiões mais pobres de Três Lagoas.

Mas, não acabou. Jessane também integra outro programa social – o Clube da Leitura, do residencial Orestinho. Aos sábados, a médica-mãe-atleta-cozinheira se transforma em orientadora de leitura de crianças carentes. “É preciso fazer sempre algo a mais que a nossa profissão para dar a crianças um futuro melhor. E esse grupo faz isso incentivando assim a leitura”, explica.

Sobre a ação, Jessane diz: “precisamos reencontrar em nossa vida o sentido da gratuidade, porque, no mundo em que vivemos, tudo se faz para receber algo em troca. Perdemos aquele sentido genuíno de fazer o bem pelo bem. Ainda que não recebamos nem um ‘muito obrigado’. Procuremos seguir os passos do Mestre, que fez o bem sem olhar a quem, e que nunca se cansou de fazer o bem.”

Jessane é assim!