O que era uma vila com pouco mais de 700 moradores, no final do século 19, chega aos seus 103 anos de história oficial com mais de 117 mil pessoas – a terceira maior cidade de Mato Grosso do Sul e, possivelmente, a primeira do país em adensamento populacional em um período de nove anos. A ocupação do solo habitado torna-se impressionante, considerando que o município possui 10,2 mil quilômetros quadrados, e quase 12 (11,7) pessoas morando a cada “quadrado” de mil metros e com ocupação por alvenaria e estruturas públicas de mais de 10 mil metros quadrados por ano. Significa que aquela terra vista pelo fundador Antônio Trajano dos Santos, em 1893, como fértil era fértil mesmo!
Os números mais recentes do IBGE não são de um censo demográfico. Foram extraídos de uma estimativa populacional, elaborada com base em dados de cartórios de registro de pessoas nascidas vivas: nascimentos e mortes. O próximo censo oficial será realizado e divulgado em 2020. Até lá, o que se dispõe faz referência a dados coletados em 2009, mas compilados e divulgados um ano depois – ou seja, um período “perdido” de nove anos, até 2018, que não permite saber com exatidão quantos moradores há na cidade. Esse hiato compromete? Em partes, sim.
No Aurélio, hiato significa: falta, intervalo, lacuna.
A vila de Trajano – que poderia se chamar Trajanópolis? – formou-se ao redor da Lagoa Maior, a partir de 1900, onde o fundador construiu a “casa Laranjal” e atraía com lotes dados de graça os “peregrinos” que cortavam o Brasil de florestas quase virgem de Norte a Sul, de Leste a Oeste, em busca de lugares melhores, era atraente não apenas por suas belezas naturais – os rios Sucuriú e Paraná, principalmente -, mas porque havia plantada por aqui uma semente de agregação. A prova está na diversidade de migrantes que completam essa incompleta população “ibegeana” de 117.477 pessoas.
Antes do fundador, Três Lagoas teve outros personagens importantes, quase um século antes – outro período, naturalmente, como hiato desta década, com uma escuridão histórica comum a cidades do interior brasileiro, distantes até mesmo de capitais. Na época, nem Cuiabá era capital do velho e ex-gigante territorial Mato Grosso.
Os dados começam a clarear em 1940, com o primeiro censo oficial do IBGE – 15.378 moradores, sendo 9.268 deles na zona rural. Vinte anos depois, a população total mais que dobrou. Foi para 32.023, sendo pouco mais da metade 16.447 agricultores, moradores de sítios e fazendas. Esta começando o esvaziamento da zona rural e o adensamento na “cidade”.
Entre 1940 e 1970, a população dobrou mais uma vez, e passou dos 68 mil moradores. Foi a 74.797 em 1996, a 79.059 em 2000 e explodiu para 101.791 em 2010. Agora, 117 mil. No mínimo, irreal.
O que dizem, e dados sociais demonstram, é que a cidade possui uma “população flutuante” grande demais. E é verdade. Quem mora aqui hoje, pode não ser mais morador amanhã, quando termina uma obra ou cessa um projeto. Casos específicos da instalação das fábricas de celulose e o da unidade de fertilizantes da Petrobras. Centenas de famílias voltaram para seus locais de origem e abriram lacunas na população que, mesmo assim, sofre com o inchaço do período de industrialização.
Por fim, a história populacional de Três Lagoas entra, hoje, em seu terceiro hiato numérico. Não se sabe quantas pessoas já passaram por aqui e talvez nunca se saiba, como também não há segurança quanto a permanência delas, porque necessitam da manutenção de empregos e da melhora da infraestrutura pública. Postos de saúde lotados, escolas e creches lotadas, ruas sem asfalto e, por uma chuva fraquinha, alagadas. São reflexos dos dois hiatos anteriores ao atual? Possivelmente.